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CONTARDO CALLIGARIS
"Fadas no Divã"
Acabo de ler "Fadas no Divã
- Psicanálise nas Histórias
Infantis", de Diana Lichtenstein
Corso e Mário Corso (Artes Médicas). A leitura, encantadora, produziu uma lembrança.
Quando meu filho Maximiliano era pequeno, inventei uma espécie de seriado, destinado a acalmá-lo na hora de dormir (momento que ele detestava). A história não se compara com o maravilhoso conto do vampiro vegetariano inventado por Mário Corso
para suas filhas, mas é o que tenho.
Eu contava, então, as aventuras
de Maximilino (sic) e da bruxa
Meninge. O modelo narrativo era
calcado na viagem de Pinóquio
ao país de Cocanha. No começo
de cada episódio, Maximilino se
mostrava desobediente, preguiçoso ou desrespeitoso. A bruxa Meninge, sempre espreitando crianças com esses defeitos, aparecia
para tentar Maximilino. Por
exemplo: "Você não gosta de dormir cedo? Tem razão, querido. No
meu país, não há adultos chatos e
ninguém atrapalha as crianças
que não querem ir para cama:
elas brincam noite adentro. Quer
vir comigo?". Maximilino topava.
A bruxa cumpria sua promessa
ao pé da letra, e aqui estava a armadilha: no país de Meninge, as
crianças brincavam tudo o que
queriam, mas seu "querer" se
transformava num "dever" mais
assombroso que a chatice dos
adultos, pois, naquele país, as
crianças não podiam dormir
nunca. Maximilino morria de
saudade de sua mãe, de seu pai e
sobretudo de sua cama. A coisa
acabava bem: quando Maximilino expressava um arrependimento sincero, uma fada o ajudava a
voltar para casa, considerando
que ele tinha entendido a "lição".
Mas qual era a "lição"? Certamente, eu pensava estar administrando doses de sabedoria, tipo:
os pais sabem que nada é bom
sem limites.
Ora, para cada história da tradição e para várias da atualidade, Mário e Diana Corso mostram que os contos infantis (inventados ou não) são mais importantes e eficientes do que a
simples e conclusiva "moral da
história". Para as crianças, os
contos infantis são instrumentos
para o conhecimento do mundo:
ao mesmo tempo, enunciados de
problemas e propostas de soluções. Eles não funcionam como
exemplos, mas como exercícios
narrativos graças aos quais a
criança descobre a complexidade
das relações e dos afetos e elabora
estratégias possíveis de ação.
Em matéria de relações e afetos,
os contos são o equivalente das
experiências concretas pelas
quais uma criança adquire a capacidade de estabelecer nexos e
executar operações lógicas. Só
que a tarefa dos contos é mais
complexa: aprendo o que é a causalidade à força de empurrar copos até que caiam, mas como faço
para aprender quais regras ordenam o amor devorante de uma
mãe, o ciúme de uma madrasta
ou meu próprio medo de crescer?
Uma criança se sente inadequada
e rejeitada, outra não tolera uma
separação que se faz necessária,
outra se sente amada demais e
prestes a ser devorada, outra começa a pensar que, de fato, ela foi
adotada, outra ainda não sabe o
que fazer com sua curiosidade sexual ou não consegue imaginar
como sair um dia do amparo familiar para se aventurar na vida.
Os contos infantis permitem formular as questões e explorar as
soluções possíveis.
O livro de Diana e Mário Corso,
justamente, é organizado em capítulos segundo as questões e as
soluções propostas pelos contos.
Mas voltemos à história de Maximilino e Meninge. Na hora em
que meu filho tentava descobrir
qual seria a balança certa de deveres e prazeres, eu lhe propunha
uma narrativa radical segundo a
qual, na vida, só haveria deveres:
nas minhas histórias, o prazer se
tornava sempre um pesadelo, ou
melhor, uma obrigação pior do
que o dever.
Depois da leitura de "Fadas no
Divã", não é difícil entender por
que muitos contos que os pais inventam para seus rebentos podem ser elogios da obediência e
do dever como únicas soluções
para os problemas da vida. Os filhos recém-chegados, por mais
que façam nossa felicidade, são
um novo fardo, mas, obviamente,
não queremos admitir que somos
pais também por obrigação. A
apologia do dever, com a qual enchemos os ouvidos de nossos filhos, é em grande parte endereçada a nós mesmos: uma exortação
a persistir, teimosamente, na tarefa de sermos pais.
"Fadas no Divã" tem um precedente ilustre, de Bruno Bettelheim, "Psicanálise dos Contos de
Fada". Mas o livro de Diana e
Mário Corso é, simplesmente, melhor. Por duas razões.
A primeira é que Bettelheim se
ocupou só dos contos de fadas tradicionais, enquanto Diana e Mário Corso analisam também as
principais narrativas infantis
contemporâneas, de Mafalda a
Harry Potter.
A segunda é substancial: pela
sutileza da interpretação dos contos e pela clareza do texto, "Fadas
no Divã" é uma extraordinária
introdução à psicanálise. Não é
surpreendente: os contos infantis,
afinal, são o repertório de conflitos, fantasias e afetos que ainda
estão em todos nós.
Nota: o filme "Os Irmãos
Grimm", de Terry Gilliam, que está em cartaz nestes dias, tem justamente o mérito de lembrar que
os contos de fadas servem para
encontrar saídas nos apertos.
@ - ccalligari@uol.com.br
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