São Paulo, terça-feira, 13 de novembro de 2001 |
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CINEMA Memória da infância na guerra
MV Bill prepara documentário sobre crianças que são "soldados" do tráfico
SILVANA ARANTES ENVIADA ESPECIAL AO RIO "Esperava que até Bin Laden ganhasse prêmio, menos eu." Alex Ferreira Barbosa, 27, o cidadão por trás do codinome MV (Mensageiro da Verdade) Bill, tem mais de uma razão para se surpreender com os R$ 100 mil que a Brasil Telecom destinou ao seu projeto de documentário "Di Menor", escolhido, na quinta passada, entre dez concorrentes. Na primeira vez em que o rapper "nascido e criado no morro" manejou uma câmera, a Justiça entendeu que suas imagens traduziam uma idéia de complacência com o tráfico. "Absolvido" da suspeita de apologia ao crime, o clipe "Soldado do Morro", gravado na Cidade de Deus (RJ), onde vive MV Bill, e lançado ano passado, pôde continuar sendo exibido, mas conservou o estigma de polêmico. E é precisamente um desdobramento do clipe do que trata "Di Menor". Bill e seu produtor Celso Athayde pretendem registrar o cotidiano de crianças usadas como "soldados" no tráfico em quatro cidades brasileiras -Rio, São Paulo, Brasília e Fortaleza. O recorte deve-se a uma revisão da geometria segundo a qual MV Bill enxerga o tráfico. Antes de excursionar com "Soldado do Morro" pelo país, o rapper acreditava que as crianças eram o vértice "menos punido" do esquema. O contato com a realidade das "comunidades" nas demais capitais brasileiras -que descobriu semelhante à da Cidade de Deus- demonstrou, segundo ele, que são os menores os que mais sofrem. "Admito meu erro. Você vê um moleque com orgulho de empunhar um fuzil 762, que é maior do que ele. Mas, no fundo, o cara não está feliz nada." Os diretores defendem o ineditismo do projeto por acreditar que os pequenos combatentes na guerra das drogas (e suas mães) falarão com uma franqueza jamais oferecida aos microfones de repórteres ou à câmera de um cineasta. E o farão pela confiança de estarem em pé de igualdade: "Você pode ter uma boa idéia, mas não adianta a produtora chamar um diretor renomado para dar a visão da sua idéia. A maioria dos documentários que tenta entrar na questão do crime fracassa por isso. Por mais que o cara tenha conhecimento da causa, é diferente. É como ver racismo no olhar. Só quem é preto consegue enxergar esse racismo. Quem não é não consegue, acha que é neurose, paranóia. Tem coisas que a gente é que tem que fazer. Essa é uma delas, apesar de a minha única experiência com câmera ter sido no meu clipe", argumenta Bill. Se a intimidade dos diretores com o tema de "Di Menor" promete ser o maior predicado na produção do filme, é dela também que se espera reações de desconfiança. "A dúvida que fica na cabeça dos policiais, dos promotores, da Justiça é essa: como é que os caras deixam ele entrar na "boca", pegar em fuzil? Acham que só pode ser conivência. Mas não é. O que temos é credibilidade. Isso não é ser puxa-saco nem conivente. É ter o discurso que faz o cara se sentir protegido." "Meu discurso não é proteger bandido, mas não vou acusar o cara que está na favela, porque ele não é o dono do tráfico. É só mais um soldado. O grande general está no asfalto. Às vezes, tem um cargo político; às vezes, é dono de empresa. Nunca é molestado. Não é novidade para ninguém: a violência está na favela, mas quem a administra está no asfalto." "Di Menor" está orçado em US$ 180 mil. Outros US$ 40 mil estão previstos para exibições em comunidades faveladas. Há uma possibilidade (em negociação) de co-produção com a Alemanha. O incentivo da Brasil Telecom foi oferecido no encerramento do Laboratório de Projetos de Documentários Brasil Documenta, realizado pelo canal GNT, semana passada, no Rio, com patrocínio da empresa de telefonia. A escolha pelo patrocínio de "Di Menor" entre os projetos participantes (que incluíam trabalhos de Marcelo Masagão, Davi França Mendes, Cao Guimarães e Mônica Simões, entre outros) foi feita pela gerente de comunicação social Natalice Mundim. O anúncio foi aplaudido com entusiasmo pela platéia, retribuído com um rap inédito de MV Bill (leia trecho ao lado) e classificado de corajoso pelos presentes. "Corajoso nessa decisão é apostar num cineasta sem experiência. Quanto ao tema, é parte da nossa realidade e tem grande relevância social", diz Mundim. A jornalista Silvana Arantes viajou a convite do Brasil Documenta Texto Anterior: Debate: Especialistas discutem a crítica literária no CCBB Próximo Texto: Documentário ganha sala no Rio Índice |
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