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ARTIGO
Gerald Thomas, eterno "enfant terrible" do teatro brasileiro
LARRY ROHTER
DO "NEW YORK TIMES", NO RIO DE JANEIRO
O público da noite de estréia, no Teatro Municipal
do Rio, da versão de "Tristão e
Isolda", de Wagner, retrabalhada
radicalmente pelo diretor Gerald
Thomas, odiou a peça e quis que o
diretor soubesse disso.
Embora o elenco tenha sido
poupado quando saiu para receber seus aplausos, assim que Thomas apareceu no palco ele foi saudado com uma saraivada de vaias
e insultos.
E Thomas respondeu de uma
maneira com a qual sem dúvida já
devem ter sonhado muitos artistas que se sentiram incompreendidos ou não apreciados. Sob o
olhar horrorizado da atriz principal, ele deu as costas para a platéia, abaixou as calças e as cuecas
verdes e mostrou as nádegas para
o público.
Agora Thomas, o eterno "enfant terrible" do teatro brasileiro,
está pagando o preço por seu gesto. Com base numa queixa registrada pelo chefe de polícia local,
foi acusado de prática de ato obsceno e convocado a comparecer
anteontem na Justiça carioca. [A
segunda audiência, que aconteceria na última terça, foi adiada para
o dia 17 de fevereiro. O motivo do
adiamento foi a ausência da secretária de Cultura do Estado, Helena Severo, testemunha considerada fundamental pelo Ministério
Público; Thomas foi indiciado no
artigo 233 do Código Penal, que
prevê pena de três meses a um
ano de detenção ou pagamento de
multa.]
O indiciamento causou espanto
entre artistas e defensores das liberdades civis cariocas. Esta é, afinal, uma cidade notoriamente
permissiva e, até mesmo, licenciosa, onde milhares de pessoas
desfilam virtualmente nuas pelas
ruas e na televisão durante as comemorações anuais do Carnaval,
com a plena aprovação das mesmas autoridades que agora estão
castigando Gerald Thomas.
O fato é que, desde que se transferiu para cá, há quase 20 anos,
trazendo consigo a paixão pela
vanguarda, Thomas vem atraindo
críticas e atenção constantes.
Nascido no Rio, filho de um comunista alemão refugiado de Hitler e de uma psicanalista galesa
de origem judaica e lituana, Thomas, 49 anos, passou o início de
sua vida adulta em Londres e em
seguida se mudou para Nova
York, onde dirigiu 18 peças de Samuel Beckett no La MaMa entre
79 e 84, antes de voltar para casa.
Em entrevista por telefone concedida de Londres, onde se refugiou
temporariamente, Thomas reconheceu que sua versão de "Tristão
e Isolda" é intencionalmente revisionista e provocante.
Durante a abertura, uma mulher se masturba, sentada num
sofá. Outra cena muito ridicularizada pela crítica mostra Sigmund
Freud cheirando cocaína e atirando-a no ar como confete. A produção também inclui um coro de
judeus hassídicos e um desfile de
moda.
"Não sou um diretor realista",
disse Gerald Thomas. "Adoro
misturar coisas e fazer todas essas
coisas metalinguísticas que faço.
Mas acho que criei uma ópera
bastante formal, com um conceito bem pensado. A moda realmente acaba com a paixão, especialmente numa peça como "Tristão e Isolda"."
O diretor acrescentou que está
acostumado a ser vaiado e que,
sob certas circunstâncias, como a
produção polêmica de "O Holandês Voador", de Wagner, que encenou no Teatro Municipal em
1987, ele chega a preferir vaias a
aplausos. O que o enfureceu no
caso em pauta, disse ele, foram as
observações anti-semitas que
afirma ter ouvido de pessoas na
platéia.
"Das três primeiras fileiras, ouvi
claramente vozes dizendo: "Seu
judeuzinho sujo, por que você
não volta para os campos?'", disse. "Isso foi organizado por membros do Fórum Internacional Richard Wagner, que vieram da
Alemanha e de Buenos Aires porque não gostaram de meu espetáculo. Perdi a cabeça, e o resto já virou história."
Outras pessoas ligadas à produção ou que estavam na platéia naquela noite disseram não ter ouvido nenhum comentário pejorativo desse tipo. Mendel Mendlewicz, judeu nascido na Polônia, é
presidente da sucursal do Rio da
Sociedade Richard Wagner e, embora diga que tenha se negado a
assistir à versão que Thomas
montou de "Tristão e Isolda" por
questão de princípio, "porque eu
sabia que um louco como ele faria
sua peça própria, usando a música de Wagner como pano de fundo", desmentiu a acusação de anti-semitismo feita por Thomas.
"Não acredito que tenha acontecido", disse Mendlewicz. "Na realidade, aposto que não aconteceu.
Chequei pessoalmente com amigos que estiveram lá, e nenhuma
entre as mais de 20 pessoas que
consultei ouviu qualquer coisa do
tipo."
Mesmo no mundo da cultura
brasileira, Gerald Thomas já acumulou muitos inimigos, numa
longa série de disputas e confrontos. Mas um grupo de respeitados
atores, músicos, escritores, diretores e críticos saiu em sua defesa
com uma petição solicitando que
a promotoria retire as queixas
contra o diretor. Eles dizem que
Gerald Thomas é culpado, no máximo, de "uma atitude impensada
que é digna de crítica, mas não de
castigo".
Tradução Clara Allain
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