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Palance personificou o mal no cinema
Ator americano morreu na sexta e se notabilizou por interpretar vilões em filmes de Kazan e Godard
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A figura sóbria e a voz solene
são as lembranças mais comuns de quem conheceu Jack
Palance apenas como o apresentador, já envelhecido, da série "Acredite se Quiser", apresentada na TV brasileira nos
anos 80. Mas foi com sua figura
imponente e sua visada dura
feito rocha que ele marcou indelevelmente com rudeza o cinema americano nos anos 50.
Palance morreu na última sexta, aos 87 anos.
Descendente de ucranianos,
seu olhar negro empesteou os
filmes que estrelou, desde "Pânico nas Ruas", de Elia Kazan,
no qual fez um gângster portador de peste bubônica.
A encarnação do mal cabia-lhe como um figurino feito sob
medida e foi com ela que seu
status de ícone ficou registrado
para todo o sempre a partir de
1953, quando fez um pistoleiro
em "Os Brutos Também
Amam". Para assegurar o simbolismo de sua figura, seu personagem aparece vestido de
preto do chapéu às botas, como
se fosse um emissário da morte,
um "príncipe das trevas" que
prenuncia em indumentária,
gestos e intenções de Darth Vader, de "Guerra nas Estrelas".
Mas nem sempre de estereótipos bem-sucedidos sobrevive
a carreira longa de um grande
intérprete. E Palance soube
quebrar aos poucos os clichês
que ameaçavam lhe enredar
numa espiral sem fim de vilões.
Quem lhe propiciou os papéis
para essa virada na carreira foi
o imenso Robert Aldrich, um
diretor então no auge.
Seu papel de um ator em crise em "A Grande Chantagem"
(1955) ofereceu-lhe a oportunidade de demonstrar seu gigantesco potencial dramático longe da mera vilania. Com Aldrich, um poeta da violência e
da brutalidade, Palance se obrigou a um jogo contido, em que a
perturbação se jogava mais na
face que no gesto, em que a violência se desdobrava não em
assassinatos, mas na lenta autodestruição.
Aldrich retomará Palance em
dois outros trabalhos. No drama de guerra "Attack", ele enfrenta, com seu físico vigoroso
e sua astúcia mental, as irracionalidades da guerra, e em "A
Dez Segundos do Inferno", a
brutalidade da guerra é reduzida ao confronto entre dois militares diante de uma decisão de
grande risco.
Foi também como ícone estelar de Hollywood que sua
"monstruosidade" foi capturada pela desconstrução moderna empreendida por Godard,
que o utilizou no papel do produtor de cinema cínico e pragmático em "O Desprezo". Com
uma fala exemplar, o personagem de Palance define uma visão predominante da arte:
"Quando ouço a palavra cultura, saco meu talão de cheques!".
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