São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 2006

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Palance personificou o mal no cinema

Ator americano morreu na sexta e se notabilizou por interpretar vilões em filmes de Kazan e Godard

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

A figura sóbria e a voz solene são as lembranças mais comuns de quem conheceu Jack Palance apenas como o apresentador, já envelhecido, da série "Acredite se Quiser", apresentada na TV brasileira nos anos 80. Mas foi com sua figura imponente e sua visada dura feito rocha que ele marcou indelevelmente com rudeza o cinema americano nos anos 50. Palance morreu na última sexta, aos 87 anos.
Descendente de ucranianos, seu olhar negro empesteou os filmes que estrelou, desde "Pânico nas Ruas", de Elia Kazan, no qual fez um gângster portador de peste bubônica.
A encarnação do mal cabia-lhe como um figurino feito sob medida e foi com ela que seu status de ícone ficou registrado para todo o sempre a partir de 1953, quando fez um pistoleiro em "Os Brutos Também Amam". Para assegurar o simbolismo de sua figura, seu personagem aparece vestido de preto do chapéu às botas, como se fosse um emissário da morte, um "príncipe das trevas" que prenuncia em indumentária, gestos e intenções de Darth Vader, de "Guerra nas Estrelas".
Mas nem sempre de estereótipos bem-sucedidos sobrevive a carreira longa de um grande intérprete. E Palance soube quebrar aos poucos os clichês que ameaçavam lhe enredar numa espiral sem fim de vilões. Quem lhe propiciou os papéis para essa virada na carreira foi o imenso Robert Aldrich, um diretor então no auge.
Seu papel de um ator em crise em "A Grande Chantagem" (1955) ofereceu-lhe a oportunidade de demonstrar seu gigantesco potencial dramático longe da mera vilania. Com Aldrich, um poeta da violência e da brutalidade, Palance se obrigou a um jogo contido, em que a perturbação se jogava mais na face que no gesto, em que a violência se desdobrava não em assassinatos, mas na lenta autodestruição.
Aldrich retomará Palance em dois outros trabalhos. No drama de guerra "Attack", ele enfrenta, com seu físico vigoroso e sua astúcia mental, as irracionalidades da guerra, e em "A Dez Segundos do Inferno", a brutalidade da guerra é reduzida ao confronto entre dois militares diante de uma decisão de grande risco.
Foi também como ícone estelar de Hollywood que sua "monstruosidade" foi capturada pela desconstrução moderna empreendida por Godard, que o utilizou no papel do produtor de cinema cínico e pragmático em "O Desprezo". Com uma fala exemplar, o personagem de Palance define uma visão predominante da arte: "Quando ouço a palavra cultura, saco meu talão de cheques!".


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