São Paulo, sábado, 13 de novembro de 2010

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CRÍTICA POESIA

Versos de Cesário Verde são decisivos para a moderna literatura portuguesa

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em edição escolar bem anotada e comentada por Mario Higa, a Ateliê acaba de lançar "Poemas Reunidos", do português Cesário Verde (1855-1886).
Toma por base a primeira edição de "O Livro de Cesário Verde" (1887).
São 22 poemas, na maioria quadras ou quintilhas, com decassílabos ou alexandrinos heroicos, de rimas cruzadas. Todos excelentes. Ao menos dois, decisivos para a moderna poesia portuguesa: "Sentimento dum Ocidental" e "Nós".
A edição inclui outros 18 poemas de Cesário Verde, segundo a edição de 1988 da "Obra Completa", estabelecida por Joel Serrão. Constata-se, a cada leitura deles, que a lírica moderna realmente "entra por todos os poros", como pregava Álvaro de Campos na "Ode Marítima".
O mais perceptível desses poros é a paráfrase irônica do ideário romântico. Por exemplo, a típica "femme fatale" é ameaçada pelo poeta impaciente com a vingança dos "povos humilhados"; ou é contraposta à feiura de uma "velhinha suja" que o aborda a pedir cigarro.
Outro poro é dado pelo modelo do passeante baudelairiano, que não se limita a observar os tipos da neurose urbana, mas vai ao campo para uma regeneração impressionista dos sentidos.
É assim quando a prima educada tem de dar um pulo -"uma pernada cômica, vulgar!"- para saltar uma trilha de formigas; ou quando num "pic-nic" ocorre "uma coisa simplesmente bela": um ramalhete rubro de papoulas "a sair da renda/ dos teus dois seios como duas rolas".
Assim também, compõe nos vegetais "um novo corpo orgânico", de modo que "descobria/ uma cabeça numa melancia,/e nuns repolhos seios injetados". Noutro poema, uma bela sardenta toma o "linfático aspecto/ Duma camélia melada".
Um terceiro poro de modernidade é dado pelo viés metalinguístico, no qual o poema é assunto do poema.
Por exemplo, a vista de uma engomadeira tísica arrefece o mau humor que lhe causara uns versos rejeitados pelo jornal.
Também é assim quando o desejo da "moderna e fina arte" contrasta e ambiguamente realiza a "rude intenção de violar" a amada; ou quando lhe louva a magreza e garante não ser doido, pois vive "como um monge,/ no bosque das ficções". Fica claro que Cesário Verde já sabia que fingir é a real condição do sentido.


ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.

POEMAS REUNIDOS

AUTOR Cesário Verde
EDITORA Ateliê Editorial
QUANTO R$ 22,40 (360 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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