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CRÍTICA POESIA
Versos de Cesário Verde são decisivos para a moderna literatura portuguesa
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em edição escolar bem
anotada e comentada por
Mario Higa, a Ateliê acaba de
lançar "Poemas Reunidos",
do português Cesário Verde
(1855-1886).
Toma por base a primeira
edição de "O Livro de Cesário
Verde" (1887).
São 22 poemas, na maioria
quadras ou quintilhas, com
decassílabos ou alexandrinos heroicos, de rimas cruzadas. Todos excelentes. Ao
menos dois, decisivos para a
moderna poesia portuguesa:
"Sentimento dum Ocidental"
e "Nós".
A edição inclui outros 18
poemas de Cesário Verde, segundo a edição de 1988 da
"Obra Completa", estabelecida por Joel Serrão. Constata-se, a cada leitura deles, que a
lírica moderna realmente
"entra por todos os poros",
como pregava Álvaro de
Campos na "Ode Marítima".
O mais perceptível desses
poros é a paráfrase irônica do
ideário romântico. Por exemplo, a típica "femme fatale" é
ameaçada pelo poeta impaciente com a vingança dos
"povos humilhados"; ou é
contraposta à feiura de uma
"velhinha suja" que o aborda
a pedir cigarro.
Outro poro é dado pelo
modelo do passeante baudelairiano, que não se limita a
observar os tipos da neurose
urbana, mas vai ao campo
para uma regeneração impressionista dos sentidos.
É assim quando a prima
educada tem de dar um pulo
-"uma pernada cômica, vulgar!"- para saltar uma trilha
de formigas; ou quando num
"pic-nic" ocorre "uma coisa
simplesmente bela": um ramalhete rubro de papoulas
"a sair da renda/ dos teus
dois seios como duas rolas".
Assim também, compõe
nos vegetais "um novo corpo
orgânico", de modo que
"descobria/ uma cabeça numa melancia,/e nuns repolhos seios injetados". Noutro
poema, uma bela sardenta
toma o "linfático aspecto/
Duma camélia melada".
Um terceiro poro de modernidade é dado pelo viés
metalinguístico, no qual o
poema é assunto do poema.
Por exemplo, a vista de
uma engomadeira tísica arrefece o mau humor que lhe
causara uns versos rejeitados
pelo jornal.
Também é assim quando o
desejo da "moderna e fina arte" contrasta e ambiguamente realiza a "rude intenção de
violar" a amada; ou quando
lhe louva a magreza e garante não ser doido, pois vive
"como um monge,/ no bosque das ficções".
Fica claro que Cesário Verde já sabia que fingir é a real
condição do sentido.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria
literária na Unicamp.
POEMAS REUNIDOS
AUTOR Cesário Verde
EDITORA Ateliê Editorial
QUANTO R$ 22,40 (360 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
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