São Paulo, sexta, 13 de novembro de 1998

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LITERATURA
Ricardo Alberto Pérez chega para refúgio no RS
"Fui perseguido", diz escritor cubano

CARLOS ALBERTO DE SOUZA
da Agência Folha, em Porto Alegre

O poeta e ensaísta cubano Ricardo Alberto Pérez, 35, chegou anteontem a Passo Fundo (RS), a primeira cidade latino-americana a integrar a rede de "refúgios" para autores perseguidos, coordenada pelo Parlamento Internacional de Escritores, com sede em Estrasburgo (França).
Foi a primeira vez que Pérez saiu de Cuba, onde, a partir de 1995, quando redigiu uma carta aberta condenando a censura, começou a ser "perseguido" pelo regime de Fidel Castro. Ele viverá um ano na cidade gaúcha, recebendo moradia e R$ 1.500 da prefeitura. Em troca, fará palestras e desenvolverá outras atividades na universidade local. Pérez pretende publicar uma antologia de poesias cubanas e escrever sobre os direitos civis e a cultura em Cuba.
Ganhador do Prêmio Nacional da Crítica Literária, em 93, concedido pelo Instituto Cubano do Livro, ele disse que sentia uma sensação "de muita liberdade" no aeroporto de Porto Alegre, onde falou à Folha. "Dou-me conta de que posso fazer uma coisa ou outra. Estou acostumado a não poder fazer isso ou aquilo. Essa sensação é dolorosíssima, traumatizante", declarou.
Em Passo Fundo, ele pretende divulgar aspectos da cultura cubana e tomar contato direto com a cultura brasileira, lendo autores que admira, como Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Paulo Leminski, entre outros.
Pérez, que fazia parte do grupo "Diáspora", integrado por intelectuais críticos ao regime político da ilha, condena a falta de liberdade para os cidadãos cubanos terem acesso à Internet, por exemplo. Reconhece, porém, algumas virtudes do seu país, como a qualidade do ensino e do serviço de saúde.

Motivos da saída de Cuba - "A decisão não foi só minha, mas de intelectuais, em nível internacional, que acharam ser conveniente eu sair. Minha situação com o Estado estava um pouco tensa. Um reduzido grupo de intelectuais cubanos começou a ter uma atitude de oposição às leis arbitrárias, que violam os direitos civis mais elementares. No caso dos intelectuais, violam também a integridade crítica. Rolando Sanchez Mejias e eu escrevemos uma carta aberta a partir de um dossiê que me foi retirado. Protestamos contra esse fato e denunciamos as principais submissões que o poder político exercia sobre os intelectuais. Tenho provas de que fui pressionado e perseguido."

Justiça social x direitos civis - "A justiça social (em Cuba) não é mentira. A educação e a saúde estão corretas. Mas é preciso separar bem as coisas. Isso não dá direito a limitar os direitos civis, como viajar livremente. No mundo, só dois países proíbem que uma pessoa, individualmente, se integre à Internet: Cuba e Líbia. Há um artigo no parlamento cubano proibindo isso. A China controla, mas não proíbe. Em Cuba, só personalidades importantes têm acesso à Internet, por intermédio de um ministério. O povo, não. Quase 85% da Constituição cubana tratam de direitos sociais. Os direitos políticos praticamente não existem."

"Exílio estéril" - "Os cubanos exilados em Miami (EUA), em sua maioria, perderam seus valores, sofreram o trauma da desculturização. Converteram-se em gente que não tem terra, tampouco cultura. Americanizaram-se. O exílio cubano em Miami é estéril, não é forte culturalmente. Não representa a cultura de resistência. Mas há exceções, como Carlos Victoria e Ramon Alejandro, um pintor muito famoso em Paris."

Ministro ajuda abertura - "O ministro da Cultura, Abel Prieto, é uma pessoa de muito boas intenções. Tem bastante poder dentro das esferas do governo. É inteligente e culto. É mais inteligente que os velhos políticos. Parece que o presidente Castro dá espaço a Prieto. Castro está disposto a mudar dentro dos seus cânones para seguir governando. Deu-se conta de que se não for mais flexível, não segue governando.
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O colunista Carlos Heitor Cony está em férias.



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