JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"A Vida em Cana" é um documentário sobre cortadores de cana feito pelo filho e herdeiro de um dos maiores usineiros do país. Ou seja: os empregados filmados pelo patrão.
Jorge Wolney Atalla estudou cinema nos EUA e voltou ao interior paulista para produzir, fotografar e dirigir o documentário, ao baixo custo de US$ 30 mil.
O resultado é um filme honesto, mas ideológico (no sentido de falsa consciência) até a medula.
Não há propriamente mentira no documentário. São ouvidos inúmeros cortadores de cana. Falam sobre o trabalho, as condições de vida e o parco lazer que lhes cabem naqueles latifúndios.
Ficamos sabendo que um trabalhador muito eficiente pode cortar até 20 toneladas de cana por dia, o que lhe rende no fim do mês uns R$ 600. A maioria, porém, não atinge nem metade disso.
Ademais, além de acordar antes dos galos e labutar de sol a sol, eles só têm trabalho de maio a novembro. E nos outros quatro meses?
Isso o filme não diz. Mas seu problema maior é eludir qualquer idéia de tensão social, ao mesmo tempo que procura homogeneizar os anônimos trabalhadores.
Ao contrário do que ocorreria num documentário de Eduardo Coutinho, os peões do filme não têm tempo de construir e apresentar sua história, sua identidade. Seus depoimentos fragmentários ficam no plano pitoresco e superficial. Há algo de "Globo Repórter" nessa abordagem.
Tal operação narrativa fica explícita no final, em que o filme nos "ensina" que os cortadores de cana, como um todo, têm fé em Deus, mantêm estreitos laços familiares e "uma alegria que supera as dificuldades".
É um modo de ver. Mas os depoimentos permitem outras leituras. Por exemplo, a de que os trabalhadores são tão desinformados (muitos não sabem ler nem contar) que não percebem a exploração a que são submetidos.

A Vida em Cana
Idem