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São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2003

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"MÍNIMOS, MÚLTIPLOS, COMUNS"

João Gilberto Noll implanta haicai ficcional da Criação

CRÍTICO DA FOLHA

Há duas maneiras de atacar o novo livro do escritor gaúcho João Gilberto Noll: pelas bordas ou pelo miolo. Pois, embora se completem e o significado total advenha de sua confluência, é preciso distinguir bem o texto do contexto.
"Mínimos, Múltiplos, Comuns" é composto de 338 pequenos textos publicados na Folha entre 1998 e 2001. Cada um deles não ultrapassa o limite de 130 palavras. Noll chamou-os de "instantes ficcionais". Talvez pudéssemos denominá-los "haicais narrativos", por sua concisão, prosaísmo e impressionismo realista.
A crítica costuma apontar a preponderância estilística dos textos de Noll, afirmação verdadeira, mas que precisa ser tomada com um grão de sal. Não se pode dizer que a linguagem tome a frente dos conteúdos, por exemplo, chamando atenção sobre si própria. A escrita de Noll é precisa e requintada, mas também sutil. Está a serviço do que é dito: não choca, não produz farpas, não busca ascender. É interessante notar a presença reduzida de adjetivos. Sua linguagem é formada de verbos e nomes.
As situações ficcionais condizem com o minimalismo formal. Um homem pega o carro, pára no acostamento e observa uma capivara passar. Presa, a condenada clama para ver os filhos. Um homem aguarda a viagem a Cuba, onde fará uma operação de vista. Um sem-terra veste-se de mulher e sai na madrugada carioca. "Hoje nem sei que cor tem a enxada. Visto-me de mulher e saio de madrugada. Tenho um namorado que é também sem-terra para sempre."
Muitas vezes os contornos fabulares são indistintos, e mal conseguimos descrever o assunto do fragmento, como se tudo o que pudéssemos perceber fossem impressões desfocadas de uma realidade fugidia. Nesses instantes, reverberações e reflexos são tudo o que temos. Mesmo nos casos de elucidação mais difícil, contudo, estamos tratando de situações "comuns", como alude o título da obra.
Mas o título também remete a uma outra ordem: a da situação maior (múltipla), capaz de englobar todos esses pequenos instantes. Noll não faz por menos, inscrevendo seus fragmentos no contexto da Criação, que parte do Nada e do Verbo, passando por cada um dos elementos (Água, Ar etc.), pelas Criaturas, até chegar ao mítico Retorno.
Nesse novo encaixe, o arcabouço é suntuoso. O efeito é reforçado pela esmerada edição de arte de Osmane Garcia Filho. Cria-se um choque, portanto, entre os fragmentos prosaicos, e a enormidade da concepção que os engloba.
Quando olhamos novamente esses fios narrativos do alto do plano cósmico elaborado "a posteriori" pelo autor, experimentamos uma espécie de vertigem. É como se os víssemos espalhados, cintilando, em torno de um abismo escuro. Matéria-prima para a Criação. (Marcelo Pen)


Mínimos, Múltiplos, Comuns
   
Autor: João Gilberto Noll
Editora: W11 (Francis)
Quanto: R$ 56 (478 págs.)
Lançamento: hoje, às 17h, na livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos (av. das Nações Unidas, 4.777, SP, tel. 0/xx/11/ 3170-4040), com a presença do autor e apresentação de Bernardo Ajzenberg, ombudsman da Folha; a entrada é franca



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