|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"MÍNIMOS, MÚLTIPLOS, COMUNS"
João Gilberto Noll implanta haicai ficcional da Criação
CRÍTICO DA FOLHA
Há duas maneiras de atacar
o novo livro do escritor gaúcho João Gilberto Noll: pelas bordas ou pelo miolo. Pois, embora
se completem e o significado total
advenha de sua confluência, é
preciso distinguir bem o texto do
contexto.
"Mínimos, Múltiplos, Comuns"
é composto de 338 pequenos textos publicados na Folha entre
1998 e 2001. Cada um deles não ultrapassa o limite de 130 palavras.
Noll chamou-os de "instantes ficcionais". Talvez pudéssemos denominá-los "haicais narrativos",
por sua concisão, prosaísmo e impressionismo realista.
A crítica costuma apontar a preponderância estilística dos textos
de Noll, afirmação verdadeira,
mas que precisa ser tomada com
um grão de sal. Não se pode dizer
que a linguagem tome a frente dos
conteúdos, por exemplo, chamando atenção sobre si própria.
A escrita de Noll é precisa e requintada, mas também sutil. Está
a serviço do que é dito: não choca,
não produz farpas, não busca ascender. É interessante notar a presença reduzida de adjetivos. Sua
linguagem é formada de verbos e
nomes.
As situações ficcionais condizem com o minimalismo formal.
Um homem pega o carro, pára no
acostamento e observa uma capivara passar. Presa, a condenada
clama para ver os filhos. Um homem aguarda a viagem a Cuba,
onde fará uma operação de vista.
Um sem-terra veste-se de mulher
e sai na madrugada carioca. "Hoje
nem sei que cor tem a enxada.
Visto-me de mulher e saio de madrugada. Tenho um namorado
que é também sem-terra para
sempre."
Muitas vezes os contornos fabulares são indistintos, e mal conseguimos descrever o assunto do
fragmento, como se tudo o que
pudéssemos perceber fossem impressões desfocadas de uma realidade fugidia. Nesses instantes, reverberações e reflexos são tudo o
que temos. Mesmo nos casos de
elucidação mais difícil, contudo,
estamos tratando de situações
"comuns", como alude o título da
obra.
Mas o título também remete a
uma outra ordem: a da situação
maior (múltipla), capaz de englobar todos esses pequenos instantes. Noll não faz por menos, inscrevendo seus fragmentos no
contexto da Criação, que parte do
Nada e do Verbo, passando por
cada um dos elementos (Água, Ar
etc.), pelas Criaturas, até chegar
ao mítico Retorno.
Nesse novo encaixe, o arcabouço é suntuoso. O efeito é reforçado pela esmerada edição de arte
de Osmane Garcia Filho. Cria-se
um choque, portanto, entre os
fragmentos prosaicos, e a enormidade da concepção que os engloba.
Quando olhamos novamente
esses fios narrativos do alto do
plano cósmico elaborado "a posteriori" pelo autor, experimentamos uma espécie de vertigem. É
como se os víssemos espalhados,
cintilando, em torno de um abismo escuro. Matéria-prima para a
Criação.
(Marcelo Pen)
Mínimos, Múltiplos, Comuns
Autor: João Gilberto Noll
Editora: W11 (Francis)
Quanto: R$ 56 (478 págs.)
Lançamento: hoje, às 17h, na livraria
Cultura do Shopping Villa-Lobos (av. das
Nações Unidas, 4.777, SP, tel. 0/xx/11/
3170-4040), com a presença do autor e
apresentação de Bernardo Ajzenberg,
ombudsman da Folha; a entrada é
franca
Texto Anterior: Entrelinhas: Champignons Próximo Texto: Livro/lançamento - Maria: Isaac Bábel faz sentir como pela primeira vez Índice
|