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LIVRO / LANÇAMENTO
"MARIA"
Contos são fruto da passagem do autor pelo Exército Vermelho, quando lutou ao lado de cossacos contra poloneses
Isaac Bábel faz sentir como pela primeira vez
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
Isaac Bábel (1894-1941) ficou
conhecido sobretudo pela coletânea "Cavalaria Vermelha"
(1926), da qual fazem parte três
dos contos incluídos neste "Maria
- Uma Peça e Cinco Histórias".
São fruto da passagem do autor
pelo Exército Vermelho, lutando
ao lado de cossacos, contra os poloneses, entre 1920 e 1921. À exceção de um deles, traduzido do inglês por Rubem Fonseca, todos os
outros textos reunidos nesta edição foram vertidos diretamente
do russo para o português.
Em "História do Meu Pombal",
com tradução de Bóris Schnaiderman, o autor, que vinha de uma
família de judeus de Odessa, narra
a ferocidade do anti-semitismo
ucraniano, pelos olhos de uma
criança. "Ninguém no mundo
sente os objetos novos mais intensamente do que as crianças." A
frase, que poderia ter um tom singelo numa prosa memorialista
tradicional, adquire uma ironia
espantosa num texto sobre a vida
de um menino a quem não basta
vencer o preconceito e a perseguição dos professores na escola e
passar no exame de admissão,
mas que ainda precisa escapar
com a família dos pogroms (pilhagens e assassinatos de judeus,
perpetrados com a aprovação das
autoridades).
O princípio das narrativas de
Bábel está nessa frase ao mesmo
tempo singela e terrível: fazer o
leitor sentir o que lê como uma
criança sente os objetos novos. É o
mesmo princípio dos seus relatos
de guerra, que podem falar da incapacidade do narrador de dar o
tiro de misericórdia em um de
seus colegas mortalmente ferido
ou da violência ensandecida de
pais e filhos que se matam numa
guerra civil, a serviço de exércitos
inimigos. O memorialismo de Bábel, seja ao lembrar a infância, seja
ao relatar a juventude no front,
busca alcançar o mesmo que toda
literatura que se preza: fazer ver e
sentir como se fosse pela primeira
vez.
"Maria", traduzida por Aurora
Bernardini e Homero Freitas de
Andrade, é uma peça pré-beckettiana. E não só por uma razão cronológica. Podia muito bem ter sido chamada "Esperando Maria".
Como na primeira narrativa da
coletânea ("Mamãe, Rimma e
Alla"), aqui também se trata da
derrocada de uma família, só que
durante a Revolução, obrigada a
dispor de tudo o que tem (das
jóias e móveis à própria filha) para sobreviver.
Os sobreviventes, no caso, são
um general aposentado, que faz
vista grossa sobre os atos da filha;
a filha que antes frequentava a
corte e agora tenta seduzir um judeu oportunista; três estropiados
de guerra e um ex-príncipe que
toca violino para proletários.
O general vive com a filha mais
nova, Liudmila, num apartamento em Petersburgo, enquanto a
mais velha e favorita, Maria, serve
na frente de batalha, depois de ter
se alistado no Exército Vermelho.
Os que ficaram levam uma existência passiva e desesperada, catando as migalhas que lhes restam: "Não o mataram, sorte sua,
continue vivendo".
Seguindo esse preceito, Liudmila decide se aproveitar do que tem
à disposição. Vende as jóias da família e se faz de difícil para conseguir o que quer dando o mínimo
em troca. Acha que é mais oportunista do que os oportunistas.
Acaba quebrando a cara e arrastando consigo o que restava da família. Todos são corrompidos,
expostos à própria humanidade.
Os sobreviventes devoram uns
aos outros.
Só Maria, por estar ausente, encarna o ideal da salvação. O general espera a sua chegada. Paira ao
longo de toda a peça a expectativa
da sua volta. Em vão. Maria é uma
espécie de Godot.
Publicada em 1935, a peça nunca foi encenada. O autor consagrado de "Cavalaria Vermelha"
foi silenciado e perseguido pelo
stalinismo. Preso em 1939, Bábel
morreu dois anos depois num
campo de prisioneiros na Sibéria.
Vítima de uma violência absurda,
que lhe escapa, como o personagem de uma história que ele poderia ter escrito.
Maria
Autor: Isaac Bábel
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 29 (144 págs.)
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