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Crítica/"Granta em Português/3"
Coletânea reúne bons textos em tom de melancolia e desencanto
Salman Rushdie e Hanif Kureishi estão na terceira edição da "Granta" no Brasil
MARCELO PEN
ESPECIAL PARA A FOLHA
No ensaio que fez para o
número cem da revista
"Granta", o escritor
Salman Rushdie versa sobre o
caráter e o destino dos seres
humanos, nos moldes do filósofo grego Heráclito, dizendo (e
agora cita o romancista americano Saul Bellow) que o "caráter de um homem é sua sina".
Depois, fala da fase atual da
literatura, composta por escritores desenraizados, nutridos
em um profundo senso de impermanência. Classifica-a como "literatura de precariedade", na qual "nem o destino
nem o caráter podem ser tidos
como certos" (e muito menos a
ligação entre ambos).
A edição número cem da
"Granta" transformou-se, no
Brasil, nesta "Granta em Português/3", a qual, descontando a
capa de David Hockney e um
conto de Ingo Schulze, segue
mais ou menos a original.
A "Granta" surgiu em 1979,
na Inglaterra, das cinzas de
uma revista da Universidade de
Cambridge. As edições de 1983
e de 1993, dos "Melhores Jovens Escritores Britânicos", foram antológicas, trazendo autores como o próprio Rushdie,
Julian Barnes, Ian McEwan (na
de 1983), Hanif Kureishi e Nicholas Shakespeare (1993).
Os autores citados estão aqui
(a edição da "Granta 100" ficou
a cargo de William Boyd, um
dos melhores jovens escritores
britânicos da safra de 1983),
além de antigos colaboradores,
como Harold Pinter e Mario
Vargas Llosa, e gente nova, como Helen Oyeyemi e Tash Aw.
Todos contribuíram com material inédito para o número.
Voltando à questão do desarraigamento proposta por Rushdie, vale não só observar que alguns dos autores, a começar
por este romancista britânico
de origem indiana, nasceram
em outro país (como Helen
Oyeyemi, na Nigéria) ou têm
ascendência estrangeira (como
Kureishi, paquistanesa), mas
também que várias das narrativas desta edição se passam em
terra estrangeira.
A de Hanif Kureishi transcorre no Paquistão; a de Doris
Lessing, na Rodésia do Sul
(atual Zimbábue); a de Nicholas Shakespeare, em Bombaim;
a de Ian Jack, em Bengala; a de
Alan Hollinghurst, em Roma; a
de Helen Simpson, em um vôo.
Trata-se de um dado superficial, que carece de investigação,
pois há diferenças de fundo e de
tom. Por exemplo: o significado
da Rodésia semi-autobiográfica de Lessing é distinto daquele
que Hollinghurst empresta à
Roma de seu conto, cuja chave
irônica aponta para uma "Morte em Veneza" rebaixada.
Desapego
Mas o mesmo sentimento de
melancólico desapego, de instabilidade e desencanto, percorre, coincidentemente ou
não, estes e outros relatos
da coletânea.
Do ponto de vista fiduciário,
digamos que há coisas tolas (a
indagação de almanaque que se
faz a alguns escritores: "Minha
pergunta para mim"), pouco
eficientes (o libreto de ópera de
McEwan: não funciona sem
música, vozes e aparato cênico), precárias (o conto inacabado de Martin Amis) e curiosas
(o poema à Auden de Pinter).
No geral, porém, compõe um
conjunto meritório e talvez indispensável ao colecionador.
Destacam-se, além do conto de
Hollinghurst, os esboços de
personagem de Vargas Llosa e o
retrato da decadência da civilização européia nas histórias de
Ian Jack e Nicholas Shakespeare, esta última possivelmente o
ponto alto da seleta.
MARCELO PEN é professor de teoria literária na
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
GRANTA EM PORTUGUÊS/3
Autor: William Boyd (seleção)
Tradução: vários
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 39,90 (354 págs.)
Avaliação: bom
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