São Paulo, quarta, 14 de janeiro de 1998.



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LITERATURA/MEMÓRIA
Autor de "Alice no País das Maravilhas" e "Através do Espelho" morreu em 14 de janeiro de 1898
Lewis Carrol cruzou espelho há cem anos

CASSIANO ELEK MACHADO
da Redação

Charles Lutwidge Dodgson foi sempre descrito como tartamudo, frágil, apavorado, burocrático e dono de olhos tristonhos.
Para a escritora Virginia Woolf, autora de "Orlando", o reverendo e matemático britânico foi "um homem que não teve uma vida".
Há cem anos, em 14 de janeiro de 1898, Dodgson deixava essa vida "que não teve".
Na realidade, porém, continuou existindo, como a própria Woolf deixa escondido em sua frase.
Não teve uma vida, teve duas. Em 4 de julho de 1862, durante um passeio de barco pelo rio Tâmisa, Dodgson, que havia nascido 30 anos antes, pariu, oficialmente, Lewis Carrol.
Com esse pseudônimo, que criou traduzindo seu nome para latim (Carolus Ludovicus) e este para o inglês, escreveu textos que entram em todas as listas dos melhores livros do século 19 -e em muitas de todos os tempos: "Alice no País das Maravilhas" e "Através do Espelho".
A história desses dois livros começa nessa mesma viagem pelo Tâmisa, na qual Dodgson inventou o seu duplo, seu "Mr. Hyde".
Dentro do bote, estavam as três filhas de Henry George Liddell, amigo de Dodgson: Edith, Lorina e Alice.
Quando chegou em casa depois do passeio, às 20h30, escreveu em uma das poucas páginas alegres de seu diário que "nessa tarde ensolarada e gloriosa... fiz uma expedição rio acima até Godstow com as três pequenas Liddell".
A julgar pelo boletim da Oficina Real Meteorológica de Greenwich, o sol sobre o qual Dodgson escreveu não estava na atmosfera. Neste dia, na região de Oxford, "choveu, fez frio e estava nublado".
Sol e glória eram algumas das coisas que o matemático enxergava na menor das Liddell, Alice.
Sabe-se que Carrol viu muito mais do que isso. Um dos passatempos prediletos do intelectual era a fotografia. Mais especificamente, retratos de garotinhas com menos de 14 anos -às vezes com muito pouco pano sobre o corpo.
Não foi por coincidência que Vladimir Nabokov, que criou em "Lolita" Humbert Humbert, considerado o maior personagem pedófilo deste século, traduziu "Alice..." para o russo.
Quando finalizou "Através do Espelho", também inspirado e protagonizado por Alice, Carrol estava proibido de cruzar a entrada da casa dos Liddell. Apesar disso, milhares de leitores continuaram cruzando o espelho junto com Alice, assim como Dodgson fizera no passeio de barco, criando o "imortal" Lewis Carrol.


A colunista Maria Ercilia, de Netvox, está em férias



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