São Paulo, quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

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COMENTÁRIO

HQs levaram cineasta à Vera Cruz

ÁLVARO DE MOYA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Certa vez, Rogério Sganzerla me procurou para fazer um curta sobre quadrinhos. Tinha obtido um crédito para um "table top" e lá fomos para a Jota Filmes. Eu levava pilhas de livros importados, revistas, álbuns, selecionando momentos importantes da história dos quadrinhos.
Ele decidiu dividir o material em dois curtas: "Comics" e "Quadrinhos no Brasil". Escolheu a trilha sonora em colagens criativas e originais, como era típico de seu estilo inovador. Veio, então, a melhor fase: a da Vera Cruz.
Sempre que entrava nos míticos estúdios de São Bernardo, uma planta exalava um perfume semelhante ao curry. As conversas eram sobre alguém que devia muito aos quadrinhos, como nós dois: Orson Welles.
Discutíamos a presença do gênio no Brasil, na década de 40. Eu, pessimista, dizia: se nem Orson Welles conseguiu fazer um filme no Brasil, quem somos nós?
Naqueles tempos era obrigatória a exibição de um curta nacional acompanhando todo filme estrangeiro, e o nosso ficou atrelado a "Teorema" (1968), de Pasolini. Todo mundo viu nosso curta, que foi premiado em Manaus.
Em Lucca, no Salão de Comics, levei uma cópia e pedi à embaixada brasileira que mandasse o filme para o Festival de San Sebastian (Espanha). Chegou um dia depois do encerramento. O diretor do evento lamentou, declarando que teria ganhado um prêmio...Toda vez que cruzava com o Rogério, me prometia uma cópia, agora em DVD. Não cumpriu e eu continuo sem rever o filme.
Juntamente com José Mojica Marins e Ozualdo Candeias, Rogério Sganzerla completa o trio mais radical, idiossincrático e criativo do nosso cinema.
Se ele não tivesse sido cremado, eu iria depositar no seu túmulo uma flor com perfume de curry, colhida nos campos da Cia. Cinematográfica Vera Cruz.


Álvaro de Moya é estudioso de quadrinhos, autor de "Vapt Vupt" e "O Mundo de Disney", entre outros


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