São Paulo, quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

"Reality shows" não substituem a ficção

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Passada a euforia inicial, os "reality shows" vão se esgotando mundo afora. Ou talvez seja mais adequado afirmar que vão encontrando seu lugar, de destaque moderado, mais próximo da morna camaradagem que do sensacionalismo.
Esse parece ser o caso do "Big Brother Brasil 4" (Rede Globo), que teve a maioria de seus personagens apresentados na última quinta, com membros do grupo sorteados "por Deus", para citar Pedro Bial, que retomou, sorridente e em tom açucarado, seu papel de mestre de cerimônias.
Longe da provocação escatológica que o formato gerou em países como Portugal ou Holanda, no Brasil o "Big Brother Brasil", como quase tudo, vai se tornando "família".
Participantes selecionados são saudados como felizes membros de uma confraria. Alguns esperam ingressar no cobiçado mundo do "show business".
Mas, na medida em que o programa vai se tornando convencional, aparecem, grata surpresa, candidatos que pretendem simplesmente, como em uma loteria, ganhar alguns trocados para alavancar projetos próprios em carreiras que não dependem necessariamente dos holofotes.
O perfil jovem/beleza/saúde impera. Nas brechas desse tedioso universo, diferenças que aparecem são bem vindas.
Vale notar a larga margem de 70 e tantos por cento de votos de espectadores com que a sorridente frentista de Mogi-Guaçu (172 km de São Paulo), negra e sambista, derrotou a bela loira sulista candidata a modelo.
Chama a atenção também a presença, nas fileiras dessa academia, do menino jardineiro do cemitério da Lapa, Rogério.
Ele é da terceira geração de uma família que há décadas se dedica com afinco ao ofício de cuidar do único ambiente pacífico nos dias que correm, o dos mortos.
Os "reality shows" não substituem a ficção. Ao contrário, o desafio de encontrar formatos capazes de polarizar tensões contemporâneas continua aí para ser enfrentado por roteiristas, diretores e produtores. Nesse esforço, vale a pena prestar atenção ao apelo dos perfis que fogem à regra.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

BIG BROTHER BRASIL. Quando: hoje, às 22h, na Globo.


Texto Anterior: Comentário: HQs levaram cineasta à Vera Cruz
Próximo Texto: Marcelo Coelho: O belo futuro da decadência
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.