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ANÁLISE
"Reality shows" não substituem a ficção
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Passada a euforia inicial, os
"reality shows" vão se esgotando mundo afora. Ou talvez seja
mais adequado afirmar que vão
encontrando seu lugar, de destaque moderado, mais próximo da
morna camaradagem que do sensacionalismo.
Esse parece ser o caso do "Big
Brother Brasil 4" (Rede Globo),
que teve a maioria de seus personagens apresentados na última
quinta, com membros do grupo
sorteados "por Deus", para citar
Pedro Bial, que retomou, sorridente e em tom açucarado, seu
papel de mestre de cerimônias.
Longe da provocação escatológica que o formato gerou em países como Portugal ou Holanda,
no Brasil o "Big Brother Brasil",
como quase tudo, vai se tornando
"família".
Participantes selecionados são
saudados como felizes membros
de uma confraria. Alguns esperam ingressar no cobiçado mundo do "show business".
Mas, na medida em que o programa vai se tornando convencional, aparecem, grata surpresa,
candidatos que pretendem simplesmente, como em uma loteria,
ganhar alguns trocados para alavancar projetos próprios em carreiras que não dependem necessariamente dos holofotes.
O perfil jovem/beleza/saúde impera. Nas brechas desse tedioso
universo, diferenças que aparecem são bem vindas.
Vale notar a larga margem de 70
e tantos por cento de votos de espectadores com que a sorridente
frentista de Mogi-Guaçu (172 km
de São Paulo), negra e sambista,
derrotou a bela loira sulista candidata a modelo.
Chama a atenção também a
presença, nas fileiras dessa academia, do menino jardineiro do cemitério da Lapa, Rogério.
Ele é da terceira geração de uma
família que há décadas se dedica
com afinco ao ofício de cuidar do
único ambiente pacífico nos dias
que correm, o dos mortos.
Os "reality shows" não substituem a ficção. Ao contrário, o desafio de encontrar formatos capazes de polarizar tensões contemporâneas continua aí para ser enfrentado por roteiristas, diretores
e produtores. Nesse esforço, vale a
pena prestar atenção ao apelo dos
perfis que fogem à regra.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
BIG BROTHER BRASIL. Quando: hoje, às
22h, na Globo.
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