São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

O peso da moda

Ana Ottoni/Folha Imagem
Quando criança, Thaís Apasse (à dir.) cortava a etiqueta das roupas da mãe para poder viajar com as amigas; as peças eram feitas por seu irmão, o estilista André Apasse (à esq.); hoje, ele fatura com grife própria, especializada em tamanhos maiores

Admiradoras de grifes que renegam seus manequins, gordinhas chiques lutam para escapar do limbo fashion

Diretora de uma agência de eventos e apaixonada por moda, Cristina Lhacer, 50 anos, procura, procura, e quase nunca encontra roupas sofisticadas para seu manequim 48. "Uma vez eu apelei", conta. "Precisava de uma calça preta para uma ocasião específica, rodei esta cidade inteirinha e nada. Nenhuma peça me servia. Aí entrei em uma loja para gestantes. A vendedora me perguntou de quanto tempo eu estava grávida e inventei que era de cinco meses!", relata ela, aos risos.

 

"Eu sou ousada, sei me vestir, não tenho culpa se as grifes não me querem como cliente", diz Cristina. Ela sofre de um problema recorrente entre gordinhas chiques: ter dinheiro, gostar de moda, mas ficar só na vontade quando passa diante das vitrines, porque não encontra peças para seu manequim. Aos números:
 

O jeans Diesel vendido no Brasil vai, no máximo, até o 44. As etiquetas oferecidas pela multimarcas Jeans Hall (Joe" s, Frank B, Rock & Republic, Hudson, entre outras) não passam do 42; muitos modelos, aliás, só vão até o 38. Giorgio Armani pára no 46. Dolce & Gabbana, no 44. Forum, também no 44. Mas por quê?
 

"As grifes não têm obrigação de vestir os mais gordos. Louis Vuitton, por exemplo, não oferece roupas para teens. Fazer modelagens muito maiores é inviável para as marcas porque a procura por esses tamanhos não justifica sua fabricação em larga escala", argumenta Marcelo Sebá, diretor de marketing da Diesel.
 

"Alguns modelos de jeans são mesmo feitos em modelagem menor. Uma calça de cintura baixa, por exemplo, não cairia bem numa pessoa maior. Por isso, as marcas que vendemos nem fabricam", diz Mariana Nahas, da Jeans Hall. "A grade da Forum atende ao perfil das clientes da marca", informa o dono da empresa, Tufi Duek.
 

Para quem não faz parte do "perfil das clientes da marca", resta o peso de se sentir excluída do clube. "As [grifes] italianas, por exemplo, são terríveis! Você precisa ser muito sequinha para usar. Adoraria ter algumas peças da Prada, mas você acha?", diz Sylvia Silveira de Sylos, 53, manequim 48.
 

"Eu nem entro em algumas lojas. Pra quê? Nunca tem nada do meu tamanho mesmo. Aliás, as vendedoras nem deixam você ficar dentro das lojas. Cansei de entrar para comprar presente e ver uma mocinha aflita me avisar de cara: "Ai, aqui não tem nada para o seu tamanho!" Mas eu só queria comprar um presente!"
 

Irmã do estilista André Apasse, dono de lojas especializadas em tamanhos grandes, Thaís Apasse (28 anos, manequim 46) demorou a se acostumar com o problema. "Quando eu era garota, morria de vergonha de usar as roupas do André. Quando ia viajar com minhas amigas, pegava as roupas da minha mãe, cortava as etiquetas e ia embora. Era o único jeito de usar jeans", conta.
 

"É horrível entrar em uma loja e sentir que a vendedora olha você como se você não pudesse estar ali por causa do seu peso. Isso é um absurdo. Só porque eu estou acima do peso, não posso me vestir bem?", questiona Thaís.
 

Enquanto ela reclama, André Apasse fatura com a brecha de mercado. "Não dá para exigir que as marcas tradicionais entendam as necessidades de quem atende as clientes de tamanhos maiores", defende. Em sua loja, o tamanho P é 46.
 

A estilista Karlla Girotto também busca o público renegado pelas outras grifes. Criou a coleção De Verdade, com os tamanhos P, M e G. "Não sei a que números corresponde minha classificação. Eu já criei uma grife especificamente para escapar desses estereótipos", diz. "As pessoas estão mais gordas, mais altas e os estilistas insistem em manter tamanhos irreais. Do mesmo modo como o mundo está mais quente e continuam a usar tecidos fechados e quentes", avalia.
 

A arquiteta Fiorella Baggio, 47, manequim mantido sob sigilo, diz que até fora do Brasil a vida é difícil para quem veste tamanhos grandes e quer se vestir bem. "Isso vale tanto para o Brasil quanto para a Europa. Viajo muito para o exterior e perdi a esperança de resolver isso com roupas trazidas de lá. Já tive problemas com os tamanhos na Armani e na Cavalli".
 

A empresária Claudia Tanussi, manequim também sigiloso, não desanima: continua caçando roupas nas araras fora do Brasil. "Gosto de inovar e encontrar peças que ajudem a me expressar. Sou alta, sou grande e aqui não há muita coisa para quem tem o meu biotipo."

NOELY RUSSO (reportagem)

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