São Paulo, quinta, 14 de janeiro de 1999

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TELEVISÃO CRÍTICA
"Chiquinha', inovadora, fica cafona na TV

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

Tudo o que a compositora Chiquinha Gonzaga (1847-1935) foi em vida, inovadora, atrevida, precursora, talentosa, transformou-se nos seus valores opostos na minissérie "Chiquinha Gonzaga", que a Globo estreou terça.
Não na caracterização da personagem, que obviamente mantém tais atributos -bastante atraentes em qualquer biografado-, mas na condução da trama, na fotografia, na edição, na trilha sonora, nas interpretações, no uso recorrente de nojentos clichês visuais.
Jayme Monjardim, diretor, e Marcus Vianna, responsável pela música, parceiros em "Pantanal", optaram por andamentos lentíssimos em seus respectivos campos.
A começar pela música: em se tratando da telebiografia de uma mulher que se notabilizou por compor polcas, choros, operetas e ainda marchas carnavalescas, não faz sentido a sonata -a definição é de Vianna- para piano, cordas e em alguns momentos coro (o que a transformaria, ao pé-da-letra, numa cantata) usada na abertura. Mas exigir intimidade daqueles gêneros a um músico oriundo do rock progressivo talvez seja um exagero da minha parte.
Mas exageros quem comete é Monjardim. O diretor pega firme na cafonice. Os encontros de Chiquinha e JB (Carlos Alberto Ricelli) são mostrados por meio de closes alternados, prolongados, sem falas, com enquadramentos que sacrificam as testas. Pode-se já imaginar os movimentos faciais de Ricelli em meio a tons de luz quentes. Mas ainda isso aos momentos em que sussurra.
Gabriela Duarte é bonita, veste bem o figurino de época, mas é difícil imaginar uma Chiquinha Gonzaga tendo reações praticamente idênticas ao ser chicoteada, ver seus livros em chamas, sabendo-se traída, dançando valsa, encontrando o amado ou saindo do castigo.
Aí Monjardim serve-se desse material e produz cenas em que apenas vemos silhuetas do casal contra uma fogueira desfocada; ambos levando cuias simultaneamente às bocas contra o mesmo fundo; e, fazendo escola, a silhueta de uma carruagem contra o oceano (em tons vermelhos). A sequência aqui é inesquecível: uma gaivota sobrevoa o mar.
Um slow-motion também será notado e, para chamar os comerciais, uma octogenária Chiquinha terá suas mãos congeladas sobre um piano cujo teclado é iluminado por canhões de luz suficientes para abastecer todo o Projac.
Talvez nada disso fosse tão marcante se "Chiquinha" não sucedesse no horário "Auto da Compadecida", cujas soluções plásticas arrojadas (enquadramento, luz, cortes inesperados) sobressaíram. "Chiquinha" soa apenas como um condensado de novelas de época, padrão seis da tarde.
O autor, o decano diretor global Lauro César Muniz, optou por uma narrativa em dois níveis, apresentando uma burleta -tipo de espetáculo musical que Chiquinha produzia-, mas suas inserções em meio à pasmaceira monjardiniana são tão reduzidas que a esquecemos. Muniz também escreveu este diálogo: JB (Ricelli): "Gosta de correr?". Chiquinha: "Gosto". JB: "Yiah".



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