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TELEVISÃO CRÍTICA
"Chiquinha', inovadora, fica cafona na TV
PAULO VIEIRA
especial para a Folha
Tudo o que a compositora Chiquinha Gonzaga (1847-1935) foi
em vida, inovadora, atrevida, precursora, talentosa, transformou-se
nos seus valores opostos na minissérie "Chiquinha Gonzaga", que a
Globo estreou terça.
Não na caracterização da personagem, que obviamente mantém
tais atributos -bastante atraentes
em qualquer biografado-, mas na
condução da trama, na fotografia,
na edição, na trilha sonora, nas interpretações, no uso recorrente de
nojentos clichês visuais.
Jayme Monjardim, diretor, e
Marcus Vianna, responsável pela
música, parceiros em "Pantanal",
optaram por andamentos lentíssimos em seus respectivos campos.
A começar pela música: em se
tratando da telebiografia de uma
mulher que se notabilizou por
compor polcas, choros, operetas e
ainda marchas carnavalescas, não
faz sentido a sonata -a definição é
de Vianna- para piano, cordas e
em alguns momentos coro (o que a
transformaria, ao pé-da-letra, numa cantata) usada na abertura.
Mas exigir intimidade daqueles gêneros a um músico oriundo do
rock progressivo talvez seja um
exagero da minha parte.
Mas exageros quem comete é
Monjardim. O diretor pega firme
na cafonice. Os encontros de Chiquinha e JB (Carlos Alberto Ricelli)
são mostrados por meio de closes
alternados, prolongados, sem falas, com enquadramentos que sacrificam as testas. Pode-se já imaginar os movimentos faciais de Ricelli em meio a tons de luz quentes.
Mas ainda isso aos momentos em
que sussurra.
Gabriela Duarte é bonita, veste
bem o figurino de época, mas é difícil imaginar uma Chiquinha
Gonzaga tendo reações praticamente idênticas ao ser chicoteada,
ver seus livros em chamas, sabendo-se traída, dançando valsa, encontrando o amado ou saindo do
castigo.
Aí Monjardim serve-se desse
material e produz cenas em que
apenas vemos silhuetas do casal
contra uma fogueira desfocada;
ambos levando cuias simultaneamente às bocas contra o mesmo
fundo; e, fazendo escola, a silhueta
de uma carruagem contra o oceano (em tons vermelhos). A sequência aqui é inesquecível: uma gaivota sobrevoa o mar.
Um slow-motion também será
notado e, para chamar os comerciais, uma octogenária Chiquinha
terá suas mãos congeladas sobre
um piano cujo teclado é iluminado
por canhões de luz suficientes para
abastecer todo o Projac.
Talvez nada disso fosse tão marcante se "Chiquinha" não sucedesse no horário "Auto da Compadecida", cujas soluções plásticas arrojadas (enquadramento, luz, cortes inesperados) sobressaíram.
"Chiquinha" soa apenas como um
condensado de novelas de época,
padrão seis da tarde.
O autor, o decano diretor global
Lauro César Muniz, optou por
uma narrativa em dois níveis,
apresentando uma burleta -tipo
de espetáculo musical que Chiquinha produzia-, mas suas inserções em meio à pasmaceira monjardiniana são tão reduzidas que a
esquecemos. Muniz também escreveu este diálogo: JB (Ricelli):
"Gosta de correr?". Chiquinha:
"Gosto". JB: "Yiah".
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