São Paulo, sexta, 14 de fevereiro de 1997.

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'Kolya não é filme político', diz Sverak

ELAINE GUERINI
da Reportagem Local

Com a indicação de "Kolya - Uma Lição de Amor" ao Oscar de melhor filme estrangeiro, o diretor tcheco Jan Sverak, 32, consegue pela segunda vez colocar um de seus trabalhos na corrida pelo prêmio -sua primeira produção a concorrer foi "Lições de Infância", de 1991.
"Como atravessamos uma crise em nossa indústria, isso significa muito para nós", disse Sverak, em entrevista por telefone à Folha, de Praga. "Kolya", que estréia hoje em São Paulo, já levou o Globo de Ouro, uma espécie de prévia do Oscar, na categoria.
Com roteiro de Zdenek Sverak, pai do diretor e ator principal do filme, "Kolya" aborda as transformações na vida de um violoncelista de meia-idade que se vê obrigado a tomar conta de um garoto desconhecido.
Como a ação se passa um pouco antes de os russos perderem o poder na antiga Tcheco-Eslováquia, as transformações sociais e políticas no Leste Europeu servem de pano de fundo para a história. Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - A história de "Kolya" é real?
Jan Sverak -
O roteiro é baseado na vida de várias pessoas do Leste Europeu. Muitas situações que aparecem ali realmente aconteceram. Meu pai criou apenas o protagonista da história, o músico que, depois de ter sido despedido da Orquestra Filarmônica de Praga, acaba tocando em funerais. O que ele fez foi entrelaçar isso com duas histórias reais: a de um homem que se casou com uma mulher por dinheiro e a de um garoto russo que passou um ano vivendo com um homem tcheco.
Folha - Você define "Kolya" como um filme político?
Sverak -
Não. Tentei abordar o mínimo de política possível. Mas, em nosso território, a nossa vida pessoal é influenciada pela vida política. Isso faz parte do nosso histórico. Nunca foi minha intenção fazer um filme desse gênero. Procurei destacar as transformações na vida de homem egoísta que evita responsabilidades e, de repente, precisa cuidar de uma criança.
Folha - "Kolya" consegue ser dramático sem cair no sentimentalismo. Qual o segredo?
Sverak -
O humor. Essa é a especialidade do meu pai, ele tem um tipo de humor que é comum por aqui. Quando uma pessoa está sob pressão, o único antídoto para continuar vivendo é fazer piadas sobre tudo. E meu pai sabe lidar com isso muito bem.
Folha - Qual a importância do Globo de Ouro e da indicação ao Oscar para a República Tcheca?
Sverak -
Significa muito para nós, levando em conta que estamos atravessando uma crise no país. Como o ingresso custa apenas US$ 1 e temos menos de 10 milhões de habitantes, fica difícil obter lucro. Mas "Kolya" é um grande hit por aqui.
A reação do público em geral tem sido surpreendente. Durante o Sundance Film Festival, por exemplo, houve uma verdadeira ovação. Isso é comum em nosso país, onde o público já me conhece e conhece o meu pai. Mas nós não esperávamos por nada parecido nos EUA, especialmente por ser tratar de um filme em língua estrangeira. Parece que conseguimos ultrapassar a barreira da língua.
Folha - O reconhecimento de Hollywood pode comprometer o seu estilo de fazer cinema?
Sverak -
Garanto que não. Minha grande preocupação é continuar sendo eu mesmo. Sempre vou fazer filmes na Europa. Tenho medo de perder minha autenticidade. A única coisa que vai mudar é a língua. Filmo meu próximo trabalho em inglês. Só vou fazer isso para que todos entendam a mensagem. Meu pai será novamente o roteirista. O filme vai abordar amizade e traição.
Folha - Foi difícil encontrar um garoto como Andrej Chalimon para o papel de Kolya?
Sverak -
Demoramos cerca de um ano para encontrá-lo. Tivemos de procurar em Moscou, já que o garoto tinha de falar russo. Acessamos agentes russos e pedimos para que eles procurassem os meninos mais bagunceiros das escolas, já que eles costumam ser os de personalidade mais forte.
Folha - Como ele se comportou durante as filmagens?
Sverak -
Estava sempre de bom humor. Só foi difícil fazer as cenas em que ele aparece triste, principalmete as do início do filme, quando ele e meu pai se encontram e não se gostam.
Filmar com crianças e animais é geralmente mais difícil. Com atores adultos você filma várias vezes para que eles fiquem cada vez melhores. Com criança é o contrário. Elas se cansam e ficam irritadas de fazer a mesma coisa várias vezes. Temos que aproveitar a espontaneidade das primeiras tomadas.
Folha - Como é dirigir o próprio pai?
Sverak -
Nós nos damos muito bem. Eu respeito o trabalho dele como roteirista e ator e ele me respeita como diretor. Acho que existe mais colaboração no set quando a família está unida.

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