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ANÁLISE
Quitandinha teve festa tensa
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Que houve festa, houve. Mas foi
uma coisa tensa, muito tensa.
De repente, sobe no palco um
premiado -Marcelo Masagão-
e se põe a reclamar da impossibilidade de pagar as contas e de um
ministério que, em vez de assumir
suas responsabilidades em relação ao cinema, empurra-a sobre
os investidores etc. etc. Não passam cinco minutos e quem está
no palco é Pedro Bial, com um recado oposto: não se constrói nada
reclamando etc. etc.
Esses discursos díspares ilustram um momento interessante,
porém crítico, do cinema brasileiro. As questões são muitas. Por
exemplo: que caminho seguir?
Voltar ao intervencionismo estatal, tipo Embrafilme (que deu no
que deu), insistir na renúncia fiscal (que vem minguando), buscar
modos que favoreçam o financiamento de filmes menores? Etc.
São discussões que estão no ar e
é até natural que estejam, pois expressam diversos pontos de vista
dos produtores e trabalhadores
em cinema. O problema é que o
MinC gosta de passar a impressão
de que estamos no sétimo céu,
quando sabemos que, fora de
Hollywood, o céu não existe.
Daí ter se criado uma defasagem constrangedora durante a
cerimônia: como o texto dito pelos apresentadores fora escrito
previamente (texto que consistia
basicamente em uma louvação
vergonhosa do próprio MinC,
promotor da festa e da premiação), agora ele continuava a nomear os encantos da associação
entre iniciativa privada, governo,
cineastas etc., enquanto no palco
o pau comia.
Estamos nisso quando entra a
filha de Joaquim Pedro de Andrade e coloca o dedo numa ferida
brava: fazer filmes e tal, tudo muito bem, mas por que eles não são
conservados adequadamente e se
deterioram?
Outra bomba no colo do ministro Weffort.
O toque melancólico da festa
veio do discurso de Anselmo
Duarte -principal homenageado da noite. Lá estava o galã da
Atlântida e da Vera Cruz. Lá estava o vencedor de Cannes. E quem
era? O cara que tinha sido barrado
na porta do Quitandinha pouco
antes.
Significariam esses percalços
que a festa foi um fracasso? Não,
ao contrário. Só que, em vez de
ser o sucesso pomposo que se
pretendia, foi um triunfo de chanchada -atrapalhado, um tanto
precário, às vezes sem ritmo, mas
por isso mesmo com uma humanidade e simpatia que só as coisas
imperfeitas conseguem inspirar.
Tudo terá sido consequente caso os responsáveis pela política
cultural no Brasil se mostrem dispostos a enfrentar as precariedades do setor, que são inúmeras.
Entre elas, distribuição e exibição
fragilíssimas, leis de incentivo fiscal com brechas para sonegação
por parte dos investidores (para
alguns, essa poderia ser a explicação das dores de cabeça de Norma
Bengell e da existência de orçamentos superfaturados).
No mais, alguém lembrou com
razão: não é possível que a decisão
de fazer ou não filmes fique exclusivamente na mão de empresas,
como se elas fossem a sociedade.
O que equivale a dizer que o setor
de produção, apesar de ativo nos
últimos anos, também tem lá seus
problemas.
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