São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 2000


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ANÁLISE
Quitandinha teve festa tensa

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Que houve festa, houve. Mas foi uma coisa tensa, muito tensa.
De repente, sobe no palco um premiado -Marcelo Masagão- e se põe a reclamar da impossibilidade de pagar as contas e de um ministério que, em vez de assumir suas responsabilidades em relação ao cinema, empurra-a sobre os investidores etc. etc. Não passam cinco minutos e quem está no palco é Pedro Bial, com um recado oposto: não se constrói nada reclamando etc. etc.
Esses discursos díspares ilustram um momento interessante, porém crítico, do cinema brasileiro. As questões são muitas. Por exemplo: que caminho seguir? Voltar ao intervencionismo estatal, tipo Embrafilme (que deu no que deu), insistir na renúncia fiscal (que vem minguando), buscar modos que favoreçam o financiamento de filmes menores? Etc.
São discussões que estão no ar e é até natural que estejam, pois expressam diversos pontos de vista dos produtores e trabalhadores em cinema. O problema é que o MinC gosta de passar a impressão de que estamos no sétimo céu, quando sabemos que, fora de Hollywood, o céu não existe.
Daí ter se criado uma defasagem constrangedora durante a cerimônia: como o texto dito pelos apresentadores fora escrito previamente (texto que consistia basicamente em uma louvação vergonhosa do próprio MinC, promotor da festa e da premiação), agora ele continuava a nomear os encantos da associação entre iniciativa privada, governo, cineastas etc., enquanto no palco o pau comia.
Estamos nisso quando entra a filha de Joaquim Pedro de Andrade e coloca o dedo numa ferida brava: fazer filmes e tal, tudo muito bem, mas por que eles não são conservados adequadamente e se deterioram?
Outra bomba no colo do ministro Weffort.
O toque melancólico da festa veio do discurso de Anselmo Duarte -principal homenageado da noite. Lá estava o galã da Atlântida e da Vera Cruz. Lá estava o vencedor de Cannes. E quem era? O cara que tinha sido barrado na porta do Quitandinha pouco antes.
Significariam esses percalços que a festa foi um fracasso? Não, ao contrário. Só que, em vez de ser o sucesso pomposo que se pretendia, foi um triunfo de chanchada -atrapalhado, um tanto precário, às vezes sem ritmo, mas por isso mesmo com uma humanidade e simpatia que só as coisas imperfeitas conseguem inspirar.
Tudo terá sido consequente caso os responsáveis pela política cultural no Brasil se mostrem dispostos a enfrentar as precariedades do setor, que são inúmeras. Entre elas, distribuição e exibição fragilíssimas, leis de incentivo fiscal com brechas para sonegação por parte dos investidores (para alguns, essa poderia ser a explicação das dores de cabeça de Norma Bengell e da existência de orçamentos superfaturados).
No mais, alguém lembrou com razão: não é possível que a decisão de fazer ou não filmes fique exclusivamente na mão de empresas, como se elas fossem a sociedade. O que equivale a dizer que o setor de produção, apesar de ativo nos últimos anos, também tem lá seus problemas.


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