São Paulo, quinta-feira, 14 de fevereiro de 2002

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Panorâmica traz séries de trabalhos da artista que usam objetos de consumo

O mundo assinado por Jac Leirner

Bel Pedrosa/Folha Imagem
A artista plástica Jac Leirner, que terá mostra retrospectiva


RODRIGO MOURA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A moça está deitada no chão. Tem um cigarro entre os dedos, 40 anos e um ar tímido e decidido, alternadamente. De dentro das caixas que rodeiam Jac Leirner numa sala de exposições do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, estão saindo as obras que vão compor uma panorâmica de 15 anos de sua produção, estabelecida hoje como uma das mais consistentes entre os artistas de sua geração. "Ad Infinitum", a mostra, tem curadoria da crítica Lígia Canongia e será aberta na próxima segunda, dia 18.
Produção, no caso de Jac Leirner, são nove séries de trabalhos, realizados nos últimos 20 anos, alguns deles em processo desde então. O vocabulário da artista tem sido basicamente composto de ready-made, objetos retirados do mundo do consumo e que ganham organização compulsiva nas mãos de Leirner, numa dualidade entre materiais "banais" e processos obsessivos de acumulação e composição plástica.
Economia inflacionária ("Os Cem", 85-87, feito de cédulas), tabagismo ("Pulmão", 87, com dejetos de cigarro) e o circuito das artes ("Foi um Prazer", 97, coleção de cartões de visita de profissionais do circuito) foram alguns dos assuntos de Leirner nesse colecionismo que seduziu público e crítica, levando a artista paulistana à Bienal de Veneza (90 e 97) e à Documenta de Kassel (92).
A mais recente das séries, "Adesivos", começou a ser mostrada nos últimos dois anos, depois de quase duas décadas de acumulação incessante. Trata-se de vidros cobertos por adesivos variados, organizados em tópicos temáticos e plásticos. "Há itens de colecionador aqui", diz a artista, mostrando um adesivo de uma exposição do artista plástico Leonilson de 1983. Contudo não é este o interesse central da artista. "O que eu gostaria mesmo é de assinar todas as janelas cobertas de adesivos que têm nas cidades", afirma. Seu trabalho, num certo sentido, é todo este: assinar um mundo dado. Mas também organizá-lo.
Sobre essas "ambiguidades e oposições", como gosta de dizer, Jac Leirner concedeu a seguinte entrevista à Folha. Leia abaixo os principais trechos.

Folha - Sua obra tem sido pouco vista no circuito institucional brasileiro. Qual é o maior destaque desta exposição panorâmica?
Jac Leirner -
"O Livro dos Cem" (cartaz de quatro metros que reúne frases retiradas de cédulas de dinheiro) é minha grande realização nesta exposição. Eu trocaria as quatro salas só por este trabalho. O que me encanta nessa história é que ele vai estar abrigado na própria casa...

Folha - Do dinheiro?
Leirner -
É, no Banco do Brasil. É um trabalho que não funciona nem em outros países de língua portuguesa, porque está cheio de gírias, dos nossos santos, dos nossos políticos. É 100% brasileiro. Foi um trabalho longo de coleta, mas também de edição.

Folha - Isso nos leva para um campo fértil da sua obra, que são os seus métodos de organização para essas coleções. Você parte de uma linguagem fortemente ligada à cultura do ready-made para recuperar questões visuais como a ortogonia e a grade construtiva. Como acontece esse percurso?
Leirner -
O objeto encontrado se impõe como passível de se construir como um corpo mais afirmativo, que continua circulando e não vai parar no lixo. Num certo momento esse material vai definir também qual seria sua diretriz; seu potencial plástico define o resultado. Se nesse material a cor tem mais presença, a cor vai definir a história. Se não tem cor, não tem nada, como no caso dos cartões de visita, vou ter que encontrar alguma coisa. Depois de 12 anos de experimentação, eu cheguei numa linha reta. Mais uma vez.

Folha - O trabalho do artista está cada vez mais contaminado pela sociedade?
Leirner -
Será? Tenho minhas dúvidas. Essa contaminação às vezes me incomoda porque é uma determinante nesse trabalho que eu venho fazendo e eu não tenho escapatória. Eu tenho que pensar nela (a sociedade), mas ela é muito independente. As questões da economia inflacionária ou do tabagismo ou do consumo são questões interessantes, mas não são as minhas questões.
A minha questão é outra: é a arte mesmo. Outro aspecto que o trabalho tem é a vivência. Não só em relação ao universo do artista, mas eu fumei mesmo aqueles maços de cigarro, furei aquelas cédulas. São processos que passaram por mim.



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