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"DICIONÁRIO-ALMANAQUE DE COMES & BEBES"
Nada de culinária, nada de diversão
LUIZ HENRIQUE HORTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
U m novo dicionário de culinária, ainda mais em português, deveria ser motivo de comemoração. Infelizmente não é o caso deste "Comes & Bebes", de
Cláudio Fornari. O livro é uma
decepção.
Dicionários não são livros comuns, podem ser verificados e ter
sua qualidade avaliada como
num laboratório. Há quatro maneiras para fazê-lo.
A primeira etapa é prová-lo nas
situações imediatas do dia-a-dia,
por casualidade. Quando recebi o
livro, estava nessa situação, diante
de dois cozinheiros que perguntavam sobre o uso da cal virgem na
feitura de doces, como mamão
verde e abóbora. Abro o dicionário no verbete cal: "diminutivo de
caloria". Nada mais.
Outra questão surgida no mesmo dia foi a respeito do café expresso e seu teor de cafeína. Na
página 75, afirma: "É o café vapt-vupt". Uhn? E o verbete cafeína
termina com uma barbaridade:
recomenda jogar água fervendo
sobre as folhas de chá, descartar
essa água (!) e colocar outra, para
diminuir a cafeína (com a consequência horrível de acabar com o
chá inteiramente).
A segunda forma é o exame de
verbetes sobre coisas que conhecemos e estimamos. Então fui direto ao verbete sobre coelho e
aprendo que é um "lindo animalzinho presente há mais de 4.000
anos na culinária chinesa". Continuei com amêndoa, onde fico sabendo (para quê?!) que Cleópatra
usava uma pasta delas com mel
para testar a gula de Antônio.
Passo à terceira prova, comparação com outros dicionários e
obras de referência, como "The
Cook's Encyclopaedia", de Tom
Stobart, "The Oxford Companion
to Food", de Alan Davidson, e
"Pequeno Dicionário de Gastronomia", de Maria Lúcia Gomensoro. Aqui o massacre é evidente.
Aos verbetes testados acima,
coelho e amêndoa, acrescenta-se
um bem regional, para ver se o desempenho do examinado melhorava: pitanga. Sem efeito algum, o
dicionário "Comes & Bebes" continuava tremendamente na retaguarda com desempenho baixo.
Todos os outros traçam breve
história da amêndoa, dizem do
uso amplo na culinária, dão informações básicas. Nem sombra de
Cleópatra e Antônio... Repetem
no verbete coelho essa enxuta eficácia, sem jogos de palavras e juízos pessoais. Tom Stobart é certeiro e sóbrio. Alan Davidson é
parecido, mas permite-se uma sutil graça britânica, produzindo
provavelmente o melhor desses livros. O coelho aparece longamente explicado em todos eles. Com
história, receitas, variações de sabor e espécies. Restou a pitanga,
como tira-teimas. Davidson, sim!,
tem um verbete -com o nome
em português- de dois parágrafos sobre a fruta. Está tudo ali: sabor, cor, utilização (da geléia ao
vinagre). Gomensoro é básica. E
Fornari: "Frutinha mais bonita
que gostosa, quando ao natural".
Finalmente o teste derradeiro,
trabalhoso: lê-lo inteiro. Foram
sucedendo-se definições infelizes
ou apressadas e brincadeiras desnecessárias. Pernil é "a coxa do
porco" (e o cordeiro?). Falafel é
"iguaria árabe de grão-de-bico"
(Davidson diz ser o prato nacional de Israel, além de consumido
em todo o Oriente Médio). Vieira
é "uma espécie de amêijoa" (que
ele grafa "almêijoa"...) e coquille
Saint-Jacques aparece como "molusco cozido fora da casca e depois nela servido". Timo "é o mesmo que tomilho", diz, ignorando
que timo também seja a víscera
chamada em português de moleja, nada menos que o ris de veau,
uma preciosidade gastronômica.
Há muito mais, muitas opiniões, que importam pouco num
dicionário. Em termos de culinária, quase nada. Em termos de diversão, nenhuma.
Para quem quer um companheiro melhor na cozinha, que fale português, recomendo o livro
de Maria Lúcia Gomensoro.
Quem quer se aprofundar mais, e
ter realmente uma única obra de
consulta em mãos (sem se importar que o companheiro fale inglês), um dos estrangeiros é melhor opção.
Dicionário-Almanaque de Comes & Bebes
Autor: Cláudio Fornari
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 38 (359 págs.)
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