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NELSON ASCHER
A Segunda Guerra acabou
O último entre os grandes
conflitos armados a respeito
do qual o público em geral tem, se
não informações e conhecimentos
detalhados, pelo menos um repertório opulento de imagens mentais, é a Segunda Guerra Mundial. Contribuem para tanto sua
amplitude e extensão geográfica,
bem como o fato de seu desenrolar ter coincidido com progressos
notáveis nos meios de comunicação de massa. E, apesar de ter terminado há seis décadas, resta
ainda, espalhada pelo planeta,
muita gente que a testemunhou.
Daí que esta tenha se tornado a
guerra por excelência, aquela
com a qual qualquer outra acaba
sendo comparada.
A imprensa americana e européia, opondo-se às recentes invasões do Afeganistão e do Iraque,
não esperou muito para equacionar ambas as campanhas com a
Guerra do Vietnã. No entanto, fora dos EUA, e mesmo lá, poucos
têm uma noção realista do que
ocorreu, nos anos 60/70, na Indochina. A média dos comentadores, que usa o termo Vietnã a torto e a direito, acharia difícil recordar o nome de três generais de cada um dos lados, ou suas três
principais batalhas.
Não é arriscado, portanto, dizer
que, quando se fala de guerra, o
inconsciente coletivo da humanidade ainda evoca preferencialmente Stalingrado, a Batalha da
Inglaterra, Pearl Harbor, Tobruk,
Okinawa, a queda e a libertação
de Paris, as Ardennas, Hiroshima
e Nagasaki. Se bem que uma conflagração tão intensa e complexa
contenha todos os tipos de exemplos e lições, a Segunda Guerra
não foi uma das mais típicas.
Ao contrário do que aconteceu
em quase todas as demais, essa foi
uma guerra na qual era possível
distinguir os "mocinhos" dos
"bandidos". Pode-se afirmar que
Stálin não era em nada melhor
do que Hitler e que a dupla ditatorial manteve, por dois anos cruciais, uma autêntica aliança. A
guerra principiou oficialmente
quando tanto a Alemanha como
a URSS atacaram a Polônia. Porém, tão logo os nazistas invadiram a URSS, russos, ucranianos
etc., mesmo povos que acolheram
os alemães como libertadores,
compreenderam que, nas circunstâncias, Stálin era o mal menor.
Outro aspecto atípico da Segunda Guerra foi a clareza dos resultados. Graças à decisão tomada
pelos aliados de exigirem a rendição incondicional das potências
do Eixo, o desenlace foi conclusivo. Evitou-se, desse modo, o que
sucedera no final da Primeira
Guerra, quando a Alemanha imperial não se convenceu de ter sido vencida. Como, por causa da
revolução de 1917, que tirou a
Rússia do conflito, os alemães não
haviam sido derrotados na frente
oriental, os russos conseguiram
apenas adiar o confronto, tendo
de resolvê-lo, uma geração mais
tarde, em condições mais desfavoráveis.
A Primeira Guerra, com seu fim
indefinido, também foi um conflito no qual não era simples distinguir moralmente os contendores.
Malgrado a Alemanha e a monarquia Austro-Húngara terem
sido os agressores, sua vitória não
teria as implicações cataclísmicas
de um triunfo posterior do Eixo e,
se fosse rápida, talvez fosse mais
benéfica para a Europa do que os
quatro anos de carnificina gerados pelo impasse inicial.
Ninguém, contudo, salvo os
nostálgicos confessos do nazismo,
imagina que o desfecho da Segunda Guerra foi negativo. Já, no que
concerne a inúmeras outras guerras, nada é tão evidente assim.
Teria sido pior para os vietnamitas se os americanos persistissem
e ocupassem Hanói? Teria sido
melhor para os coreanos se a península inteira houvesse sido entregue a Kim Il Sung? Será que os
argelinos não teriam se beneficiado se De Gaulle resolvesse liquidar a Frente Nacional de Libertação (FNL) antes de lhes conceder
a independência? Como viveriam
os cubanos hoje se a invasão na
Baía dos Porcos, em 1961, tivesse
deposto a ditadura castrista?
Quanto a essas perguntas, não há
consenso algum que se assemelhe
àquele relativo aos eventos de
1939-45. Nem faltam pessoas insatisfeitas com o desfecho da
Guerra Fria, se bem que sejam
mais raras nos países que pertenciam à órbita soviética.
A compreensão da atual crise
planetária é prejudicada por um
excesso de analogias equivocadas
(e provavelmente inconscientes)
com a Segunda Guerra e sofre
também de um déficit de paralelos úteis que poderiam ser propostos. Por exemplo, não estamos
mais numa época na qual, para
destruir uma fábrica de munições, a RAF (Royal Air Force britânica) precisava arrasar metade
de tal ou qual cidade inimiga.
Um míssil disparado hoje de um
helicóptero acerta um terrorista
em seu apartamento sem danificar a estrutura do edifício. Tampouco voltaremos a ver milhares
de blindados se enfrentando como em Kursk (1943), na URSS, ou
no Passo de Mitla (1973), no deserto do Sinai, nem batalhas aéreas como as travadas sobre Londres em 1940 ou sobre o vale libanês do Bekaa em 1982.
Os paralelos pertinentes entre a
Guerra Global contra o Terror e a
Segunda Guerra Mundial são justamente os menos lembrados.
Eles não são bélicos, militares, táticos ou estratégicos, mas antes
ideológicos. Como nos anos 30/40,
as sociedades democráticas e
abertas do Ocidente se vêem
ameaçadas agora por uma ideologia expansionista e imperial, totalitária e triunfalista. Como nos
tempos de então, as elites européias e parcela significativa das
americanas preferem, em troca de
vantagens imediatas, ignorar a
dimensão do perigo. E, como naqueles dias, o rancor que os intelectuais ocidentais dedicam à civilização burguesa os leva a idealizarem o islamismo radical, seguindo de perto aqui seus predecessores que outrora simpatizaram e colaboraram seja com o
stalinismo, seja com o nacional-socialismo.
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