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A volta do nacionalista
José Ramos Tinhorão, um dos
mais polêmicos críticos musicais
e historiadores dos anos 60 e 70,
recebe nova chance de ser ouvido
com lançamento de dois livros
Paulo Giandalia/Folha Imagem
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José Ramos Tinhorão gesticula em sua kitchenette no centro de SP
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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
A planta daninha volta a crescer.
O historiador e crítico musical José Ramos Tinhorão (o último sobrenome é apelido recebido em
redação de jornal, inspirado na erva homônima, por alguns chamada comigo-ninguém-pode), 70,
odiado por dez entre dez astros
que tenham passado pela MPB entre os 60 e os 70, reemerge de um
ostracismo (in)voluntário e cai, de
novo, nas prateleiras das livrarias.
Acaba de ser reeditado, em versão revista e ampliada, o livro
"Música Popular - Um Tema em
Debate" (1966), um dos primeiros
em que o então crítico atacou a
descaracterização que, segundo
ele, a bossa nova, americanizada,
teria trazido à MPB. Em abril, chega à primeira edição brasileira sua
"História Social da Música Popular Brasileira" (90), antes só lançada em Portugal.
Tinhorão recebeu a Folha em
sua kitchenette no centro de São
Paulo, onde mora entre livros,
discos de vinil e poeira. "O acervo
que existe aqui você não encontra
na Biblioteca Nacional nem no
MIS", gaba-se. Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - Nos anos 60, você encampou uma série de posições polêmicas. Alguma dessas posições precisou ser revista após 30 anos?
José Ramos Tinhorão - Eu não
encampei, eu criei. A terceira edição do meu livro responde isso. O
que poderia ter que mexer seriam
os estudos de caráter polêmico.
Mas meu enfoque é histórico-sociológico. Procuro os dados sobre
a existência do fenômeno e tento
demonstrá-lo, comprová-lo.
A questão da bossa nova era polêmica. Aqueles caras faziam parte
da classe média ascendente do Rio.
Eram modernos entre aspas, como
são agora esses meninos que seguem a última linha da moda,
vêem o U2 (pronuncia "U-Dois")
sem entender uma palavra. O cara
gosta do que não entende -o que
chamo de alienação. É uma contradição.
Quando eu chego às minhas conclusões, elas dão tapas na cara das
pessoas que vivem aquela ilusão.
Então elas caem em cima de mim.
O livro atinge as pessoas.
Folha - Atingiu há 30 anos, ainda
atinge hoje?
Tinhorão - Atinge hoje. Os filhos dos admiradores da bossa estão indo ao U-Dois. O fenômeno é
o mesmo. Por isso respondo à sua
pergunta: mudar o quê?
Folha - Você tem discos de bossa
nova? Gosta de ouvir?
Tinhorão - Tenho tudo. Como
cidadão, às vezes acho interessantezinha uma coisa e outra. O que
me irrita é ver que se gasta talento e
criatividade para falar em linguagem harmônica americana. Veja,
me meti a dizer que achava Tom
Jobim um excelente músico sem
criatividade. Ah, para quê?
Como começa o "Sabiá", que
dizem que é a coisa mais brasileira
(cantarola)? Ouve a "Overture"
da "Ópera dos Três Vinténs" de
Kurt Weill (cantarola). Lá está o
"Sabiá". "Águas de Março"?
Um disco gravado em 1956, de homenagem a uma tal de Inara. Uma
das faixas, "Águas do Céu" (a
contracapa grafa "Água do
Céu"), com Leny Eversong, vamos ouvir (coloca o disco: "É chuva de Deus, é chuva abençoada/ É
água divina, é alma lavada").
O caso dele é dramático, se fosse
falta de talento... A grande tragédia
dele é que não surrupiava deliberadamente. Era um barriga de aluguel da música popular. Não era
um criador, mas não posso dizer
isso que cai toda a classe média em
cima de mim.
A última instância da discussão
cultural é política, é isso que as
pessoas não entendem. Se você denuncia as ilusões da classe média,
obriga-a a pensar politicamente, e
é isso que ela não admite.
Folha - O que ter apontado isso
provocou em sua vida?
Tinhorão - Isso que você está
vendo aqui. Estou reduzido a uma
kitchenette cheia de coisas, explodindo. Fiz uma opção, pago meu
preço: pichado, não reconhecido.
Folha - Você é magoado por isso?
Tinhorão - Não, porque compreendo. Se é assim mesmo para
que vou chiar? Se você fala, pode
dizer que não falou. Se escreve,
não pode dizer que não escreveu.
Escrevi, e escrevo tudo que penso.
Folha - Se houvesse dito em vez
de escrever, desdiria algo?
Tinhorão - Não. Não, não. E aí
eu não teria a credibilidade que tenho. Vou me elogiar um pouco:
não encontro um autor que, após
30 anos, reedite um livro dizendo
que não precisa rever nada.
Folha - Não é uma atitude defensiva sua por ter sido tão atacado?
Tinhorão - Nunca reclamei,
porque tenho pensamento democrático. Se tenho direito de fazer
análises que ferem pessoas, elas
têm direito de chiar. Só lamento
que não me desmontem dizendo
que falei coisas assim e assim, que
não eram desse jeito, e mostrem
fontes que provem isso. Não, o que
você vê são coisas do tipo "o grande marxista vulgar" do país.
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