São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 1998

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ARTES PLÁSTICAS
Artista é tema de mostra
Berlim vê as várias faces de Polke

Divulgação
''Die Drei Lügen der Malerei'' (As Três Mentiras da Pintura), de 1994


MÁRCIA FORTES
especial para a Folha, em Berlim

Dá para perder as contas de quantas retrospectivas a obra do artista alemão Sigmar Polke já mereceu. Mesmo assim, ele está triunfando em uma nova retrospectiva, desta vez o maior levantamento do seu trabalho.
O próprio Polke organizou essa exibição, em cartaz no museu Hamburger Bahnhof em Berlim até amanhã, em colaboração com o curador Martin Hentschel. O resultado é grandioso, eficiente, forte e inspirador.
Incluindo trabalhos de todas as fases da carreira de Polke, de 1962 até 97, essa retrospectiva revela o talento inesgotável de um dos mais prolíficos e importantes artistas alemães da atualidade. Aos 56 anos, Polke segue esticando os limites da sua expressão criativa, produzindo uma obra imensamente rica em variações de mídia, "modus operandi", e motivo.
No início, estão as suas conhecidas telas pontilhadas e imagens ironizando o consumismo da burguesia alemã. Arrematando a retrospectiva, estão trabalhos de 1996 e 1997 jamais vistos. São abstrações feitas com resina sintética e tecidos e também figuradas narrativas de mitos e lendas, feitas de poliéster transparente pintado dos dois lados com diversos vernizes.
É de fato uma delícia seguir por essa comprida exibição acompanhando os contínuos experimentos com forma e material aos quais Polke nunca cansou de se dedicar. O artista passa do abstrato ao figurativo, da transparência ao volume, da nervosa pincelada ao cuidadoso delinear, com a facilidade e a convicção de quem conhece bem o seu negócio.
A mostra já intriga desde o título, "Die Drei Lügen der Malerei" (As Três Mentiras da Pintura), tomado emprestado de uma tela de Polke de 94. Claro que existem mais de três mentiras no campo da pintura, mas Polke nos provoca com o número, ao mesmo tempo em que implica inúmeras "mentiras" no exercício da sua pintura. Polke mente ao compor imagens imitando reprodução fotográfica, mente com repetições e colagens, mente fazendo "pinturas" de lenços e toalhas costurados.
O quadro que leva o título é feito de três tipos de tecidos distintos costurados. A divisão de três também se repete na estrutura dos chassis que transparece através dos tecidos. Sobre um dos tecidos estão impressas marcas de mãos, que parecem ter sido pintadas. Já as imagens de uma montanha e uma árvore parecem impressas, mas a tinta que escorreu demonstra que elas foram pintadas a mão.
Polke maneja com humor o insolúvel relacionamento entre o ilusionismo da pintura e a verdade que ela representa. Nada lhe é mais característico do que a ironia, de muita inteligência e sofisticação, resultando numa obra por vezes cáustica. Polke é um jogador no campo do pós-modernismo, e não há nada mais estranho para ele do que a clareza definitiva.
As obras nessa retrospectiva nos preenchem de energia, idéias e noções de beleza. A profusão de seus conceitos, a autêntica linguagem visual, a variedade de expressão e a constante qualidade do seu trabalho garantem ao nome de Polke um lugar na história da arte.



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