São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 1998

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Decadentismo é alternativa possível

MARCELO REZENDE
da Reportagem Local

No inverno há a materialidade do fim. "As flores decaem, as folhas decaem e as florestas tombam", diziam os românticos ingleses no final do século 19. Mas agora, nos lembram o estilista Lino Villaventura, que desfila hoje às 20h30, e a Zapping (na última quarta), que, além da vegetação, também um século desaparece com as estações.
A idéia é resgatar para estes anos 90 as cores, as formas e, de certa maneira, a desesperança que tomou a Europa há cem anos, assim que a comunidade artística e intelectual passou a usar uma sensação -o espírito de "fim-de-século"- da mesma maneira que uma roupa.
O escritor Oscar Wilde (1854-1900) é o ícone preferencial e, claro, a referência maior. Mas Wilde foi apenas um dos mais nobres representantes de uma idéia nascida na Inglaterra em 1850.
Decadentismo
Com o fantasma da falência do império britânico -e a nobreza local mergulhando na morte por morfina- a alternativa possível para todo candidato a dândi ou esteta era o "decadentismo".
Havia então o charme acompanhando o desejo de impor um outro padrão para mundo. Na verdade, outro mundo, já que o velho entrava em um colapso irreversível.
Da França se anunciava que o comportamento deveria mudar, assim como a forma do poema. As pessoas passaram a adotar a melancolia da mesma maneira que um perfume, pois tudo estava adoecendo mortalmente. Do modelo de política ao estilo de vida.
E Charles Baudelaire, apresentando seus versos de "As Flores do Mal", se deixava fotografar vestindo preto. Um signo da moda que jamais nos abandonaria.
Não há então nada mais atrativo -na literatura e na existência- do que um jovem (quase sempre nobre), que acredita ser a arte um modelo para a vida. Nunca, como se acreditava desde a antiguidade, o inverso.
Artificialidade
O grande viva, por consequência, é dado para a artificialidade. Tudo o que não é "natural" passa a valer mais. A tonalidade dos panos se transforma, e a grande moda são os cravos pintados de verde pelos alfaiates, ansiosos por oferecer algo "novo, inusitado e belo" para os jovens decadentistas.
Afinal o século está no fim e tudo deve mudar rapidamente. Alucinadamente. Nem que seja pela dor. Os ecos do romantismo.
Mas não se trata apenas de estética, e sim de moral. Duas concepções que são -e é isso o que tentaram demonstrar- uma só coisa.
Para afrontar essa sociedade que morre é necessário fazer prevalecer o belo, derrubar as leis. Um exemplo, o homossexualismo. Tão sussurrado entre os britânicos e que terminou por transformar Wilde em um mártir.
O que estava por trás de todos os discursos, poemas e atitudes era uma crença comum: a de que talvez "o pensamento e a paixão estivessem se libertando da tradição", nas palavras do poeta irlandês W.B. Yeats.
E de que maneira uma roupa representa esse cenário? De todas as formas, pois Oscar Wilde sempre avisou que se alguém fosse incapaz de produzir uma obra de arte, deveria ao menos usar uma.
Villaventura e Zapping, de forma involuntária, se apropriam, no final deste século, de uma convicção muito comum para os estetas decadentistas do século passado: a certeza de que para o homem, mergulhado na cultura, não importa o quanto ele se dispa. Jamais conseguirá estar plenamente nu.



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