São Paulo, quinta-feira, 14 de março de 2002

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ARTES PLÁSTICAS

Um dos remanescentes do neoconcretismo, artista de 88 anos abre mostra com pinturas do ano passado

Barsotti festeja casamento com geometria

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos matrimônios mais duradouros dos quais se tem notícia nas artes plásticas brasileiras está festejando outro aniversário de casamento. O noivo, Hércules Barsotti. A noiva, a pintura abstrata e geométrica.
Ambos se conheceram nos anos 40, os dois bem jovens. Não se largaram nunca mais. Aos 88 anos, Hércules ainda passa tardes prazerosas com a companheira em seu apartamento na Oscar Freire.
É nessa mesma rua de São Paulo que ele mostra agora os frutos dessa união. A partir de hoje a galeria Sylvio Nery expõe 15 pinturas que o artista fez em 2001, com formas geométricas e cor.
O dono da galeria, Sylvio Nery, sobe as escadas e volta com uma pintura de Barsotti dos anos 50, dominada por quadrados pretos.
-O que há em comum entre essa pintura e as que o sr. mostra agora? "Simplicidade", responde com a voz grossa que solta quase tão poucas palavras quanto as escassas intervenções que faz em suas telas. Simples. É essa a teoria que ele oferece de sua arte.
Barsotti foi dos primeiros a fazer pintura abstrata geométrica no país. Trabalhava no mesmo diapasão dos artistas que fundaram o movimento concreto, nos anos 50, como os ainda ativos Luiz Sacilotto e Hermelindo Fiaminghi. Mas não entrou para o grupo por decisão de Waldemar Cordeiro (1925-73), o "líder" concreto. "Ele não gostava de mim."
Em 1960, o crítico de arte Ferreira Gullar veio especialmente do Rio para convidar Barsotti e seu grande parceiro, Willys de Castro (1926-1988), a juntar-se aos neoconcretos, que tinham na linha de frente Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Aluísio Carvão, Lygia Clark e Hélio Oiticica.
Mesmo como "sucursal" paulistana dos articulados neoconcretos, donos de uma das teorias estéticas mais amarradas já feitas no país, Barsotti não se deixou seduzir mais pelas idéias da arte do que pelos pincéis e pelas tintas.
Um exemplo: começou o noivado com a pintura abstrata geométrica usando o preto e o branco; casou mesmo foi com as tintas coloridas, que começou a usar nos primeiros anos 60. Existem várias teorias cabeludas do porquê disso. Acompanhe a de Barsotti. "Usava a tinta óleo. Ela demorava muito para secar. Então preferia usar só o preto e o branco. Quando apareceu a tinta acrílica, que secava mais rápido, comecei a pintar com cores." Simples.
É com as mesmas acrílicas de cores intensas, divididas em superfícies de formatos geométricos, que o artista se apresenta na mostra de obras recentes.
O único elemento novo -e não é uma exposição de novidade, mas de coerência- é areia. Não tão novo assim. Nos anos 50, Barsotti processava a areia de modo a deixar apenas o quartzo, a parte brilhante dela, iluminando sua pintura em branco-e-preto.
Meio século depois, a areia volta não como brilho, mas como textura. Ele cola em pequenas áreas (geométricas, claro) uma camada arenosa e pinta por cima. E só.
Com pequenas, minúsculas, alterações de rota, Hércules Barsotti segue o caminho. Ele e a pintura abstrata: geométrica e simples.


HÉRCULES BARSOTTI. Onde: galeria Sylvio Nery (r. Oscar Freire, 164, tel. 0/ xx/11/3064-3086). Quando: seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 10h às 13h. Até 14/4. Preços das obras: de US$ 8.000 a US$ 15 mil. Patrocinador: Grupo Tejofran



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