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CINEMA
Trajetória do ministro nazista é recontada a partir de seus "Diários"
Montagem desconstrói estereótipo de Goebbels
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BERLIM
Narrado pelo ator Kenneth
Brannagh, na versão inglesa, e pelo alemão Udo Samel, "O Experimento Goebbels" reconstrói a
carreira multimídia do criador do
"Mito do Führer" e se baseia no livro homônimo do inglês Lord
George Weindelfeld, de 1942.
Depois da tomada de poder pelos nazistas em 1933, Goebbels assumiu a pasta da Propaganda,
mas permaneceu sempre um
"outsider" por sua origem intelectual. Em 1938, depois do assassinato de um diplomata alemão em
Paris, ordenou a "Noite dos Cristais", na qual foram incineradas
todas as sinagogas na Alemanha.
O ápice de sua carreira é o célebre
discurso radiofônico de 18 de fevereiro de 1943, no Berliner Sportpalast, duas semanas depois da
capitulação do 6º Exército do general Paulus em Stalingrado.
Nele, incita a Alemanha à "guerra total", uma cruzada de extermínio contra o bolchevismo soviético e, sobretudo, pela "solução
final da questão judaica", deliberada na Conferência de Wannsee,
em janeiro de 1942, no qual se estabeleceram as cotas de extermínio de todos os judeus europeus
de Portugal até a Ucrânia.
Goebbels representaria uma
"modernidade específica" no nacional-socialismo, que mobiliza a
totalidade do aparelho midiático
num misto de mitologia e estratégia moderna de comunicação política. A montagem, segundo
Hachmeister, pressupõe um "espectador esclarecido ideal", para
quem o efeito desta voz não oferece o perigo de uma propaganda
duplicada. "Não preciso explicar
nada ao público", afirma Hachmeister, "qualquer pessoa bem
informada percebe que a figura
que está falando é um completo
esquizofrênico".
Leia abaixo trechos da entrevista que o diretor Lutz Hachmeister
deu à Folha, por telefone.
(JOSÉ GALISI FILHO)
Folha - A crítica vem considerando seu "experimento" uma tentativa arriscada de narrar o mundo
com os olhos de um alucinado.
Qual é a nova imagem de Goebbels
que surge de seus "Diários"?
Lutz Hachmesiter - A perspectiva
que eu e Michael Klopt escolhemos obriga o público a se confrontar com a figura ofuscada pelo estereótipo do propagandista.
Goebbels criou uma mitologia
que sobreviveu ao Terceiro Reich.
Num sentido bastante específico,
ele é uma das poucas figuras que
representa uma certa modernidade, realizando um monstruoso
experimento coletivo.
O meu objetivo é mostrar que,
por trás do mito de um controle
absoluto da informação, os "Diários" revelam uma figura humana
bem diferente, uma personalidade oscilante psicótica maníaca-depressiva, e essa mistura de confissões sinceras desmente a crença
de que ele tenha sido desde sempre um propagandista.
Originário de uma família católica pequeno-burguesa da Renânia, ele sonhava em ser escritor e
um político radical "socialista popular" e, apenas num segundo
plano, realizar propaganda. Nos
diários, vemos que ele duvida de
uma guerra de dois fronts e deseja
a paz em separado com Stálin.
Goebbels sabia que a decisão
pelo extermínio dos judeus era
um caminho sem volta e então
trata de encenar o próprio colapso. Quando ele fala da deportação
dos judeus, mostramos imagens
das praias de Wannsee, em 1942,
num dia de sol. Nesta aparente
Berlim idílica acreditamos criar
um efeito muito mais sinistro do
que mostrar as deportações,
exaustivamente repetidas.
Folha - Como o sr. avalia o sucesso de público de "A Queda", indicado para o Oscar?
Hachmeister - É um filme de entretenimento muito competente,
amparado numa boa estratégia de
marketing, com edição de capa da
"Spiegel" e não se pode dizer que
ele não cumpra a promessa de
oferecer ao público boa diversão
por duas horas, mas é pouco sofisticado e unidimensional e dois
ou três dias depois nos pergutamos o que sobrou.
Folha - Os útimos anos foram
marcados por um "boom" de séries
televisivas sobre o período, com
forte apelo melodramático. Essa
overdose visual favorece ou prejudica a relação com a história?
Hachmeister - Vejo o perigo de
que as imagens se neutralizem.
São sempre as mesmas. Esta fórmula se esgotou e os produtores
têm procurado novos caminhos,
como a reconstrução da história
da República Democrática Alemã
ou da história do futebol.
Folha - Os governos hoje não conseguem mais vender guerras como
antes, como é o exemplo do Iraque
de George W. Bush?
Hachmeister - Guerras não podem ser ganhas apenas com propaganda, mas militarmente. A
fascinação do público pelo horror
faz do gênero um produto estável,
pois, no filme de guerra, você não
precisa lutar, mas participa como
"voyeur", daí sua catarse psiquíca. Goebbels. Goebbels sabia que
a manipulação tinha limite: ela
não muda a realidade militar. A
guerra não foi perdida na propaganda, mas militarmente. O que
acho da máxima atualidade é que
hoje os políticos acreditam muito
na propaganda e no efeito medial
de suas auto-encenações e muito
pouco na política.
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