|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
No cinema, Loredo ganha gravidade
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O cinema às vezes é uma coisa estranha. Ninguém viu, quase, "Sem Essa, Aranha" ou "O
Abismo", mas é através desses
dois filmes que nem tiveram
distribuição comercial ("Sem
Essa, Aranha", de 1970, chegou
ao DVD recentemente, na coleção "Cinema Marginal Brasileiro") que Zé Bonitinho fixou sua
imagem de personagem-chave
da comédia brasileira.
Ou, mais precisamente, da
chanchada. Porque, embora
sendo um tipo criado na televisão e para a TV, no começo dos
anos 1960, quando a chanchada
já agonizava, aparentemente
foram suas qualidades chanchadescas que chamaram a
atenção de Rogério Sganzerla.
Primeiro, há nele o exagero, a
caricatura. O Zé Bonitinho de
Jorge Loredo parece personagem de desenho animado, com
suas roupas extravagantes, o
topete interminável, gestos hiperbólicos e, sobretudo, o pente descomunal como a pretensão que acompanhava seu bordão: "Mulheres, cheguei".
O personagem de humor da
TV tem algo de familiar: nós o
esperamos semanalmente como um parente cuja visita é infalível. Não faz mal que situações se repitam.
Quando o comediante é talentoso, bastam algumas poucas variações para prender nossa atenção e provocar o riso.
Transposta para o cinema,
sua imagem adquire uma estranha gravidade: o personagem
Aranha, o torpe milionário, é
Zé Bonitinho e algo mais: ele se
atualiza e ganha segunda vida.
Ele traz a inocência popular,
quase infantil, do "comic" e da
TV, mas agora relida em chave
mais intelectual.
Sua pretensão descomunal
não surge mais solta num cenário de "A Praça da Alegria", mas
inserida em cena brasileira: sua
casa faustosa abriga um milionário brasileiro e a personagem
concentra renda e taras da elite
nacional de 1970.
Criação genial do burlesco da
TV, no cinema Zé Bonitinho
deu a real medida de seu caráter irresponsavelmente, macunaimicamente brasileiro. Talvez essas aparições de Jorge
Loredo já não nos façam rir
com a mesma intensidade que
na TV, mas constituem, de certa forma, um espelho, uma reflexão daquilo que a diversão
popular pode nos dar e, ao mesmo tempo, sonegar.
Texto Anterior: "Galã" Zé Bonitinho completa 50 anos Próximo Texto: Coleção Folha mostra origens da música brasileira Índice
|