São Paulo, domingo, 14 de março de 2010

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ANÁLISE

No cinema, Loredo ganha gravidade

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O cinema às vezes é uma coisa estranha. Ninguém viu, quase, "Sem Essa, Aranha" ou "O Abismo", mas é através desses dois filmes que nem tiveram distribuição comercial ("Sem Essa, Aranha", de 1970, chegou ao DVD recentemente, na coleção "Cinema Marginal Brasileiro") que Zé Bonitinho fixou sua imagem de personagem-chave da comédia brasileira.
Ou, mais precisamente, da chanchada. Porque, embora sendo um tipo criado na televisão e para a TV, no começo dos anos 1960, quando a chanchada já agonizava, aparentemente foram suas qualidades chanchadescas que chamaram a atenção de Rogério Sganzerla.
Primeiro, há nele o exagero, a caricatura. O Zé Bonitinho de Jorge Loredo parece personagem de desenho animado, com suas roupas extravagantes, o topete interminável, gestos hiperbólicos e, sobretudo, o pente descomunal como a pretensão que acompanhava seu bordão: "Mulheres, cheguei".
O personagem de humor da TV tem algo de familiar: nós o esperamos semanalmente como um parente cuja visita é infalível. Não faz mal que situações se repitam.
Quando o comediante é talentoso, bastam algumas poucas variações para prender nossa atenção e provocar o riso.
Transposta para o cinema, sua imagem adquire uma estranha gravidade: o personagem Aranha, o torpe milionário, é Zé Bonitinho e algo mais: ele se atualiza e ganha segunda vida.
Ele traz a inocência popular, quase infantil, do "comic" e da TV, mas agora relida em chave mais intelectual.
Sua pretensão descomunal não surge mais solta num cenário de "A Praça da Alegria", mas inserida em cena brasileira: sua casa faustosa abriga um milionário brasileiro e a personagem concentra renda e taras da elite nacional de 1970.
Criação genial do burlesco da TV, no cinema Zé Bonitinho deu a real medida de seu caráter irresponsavelmente, macunaimicamente brasileiro. Talvez essas aparições de Jorge Loredo já não nos façam rir com a mesma intensidade que na TV, mas constituem, de certa forma, um espelho, uma reflexão daquilo que a diversão popular pode nos dar e, ao mesmo tempo, sonegar.


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