|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Mais de cem hinos daimistas embalam enterro em São Paulo
LAURA CAPRIGLIONE
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Foram enterrados ontem pela manhã os corpos do cartunista Glauco Vilas Boas, 53, e de
seu filho Raoni, 25, assassinados a tiros na madrugada de
sexta-feira, em Osasco. Mas começou bem antes de os corpos
descerem à cova, às 10h30, no
cemitério Gethsemani Anhanguera, zona norte de São Paulo,
o chamado "trabalho de passagem" em homenagem aos dois.
Familiares e amigos das vítimas, mortas em frente à casa
onde moravam na comunidade
religiosa daimista Céu de Maria, fundada por Glauco nos
anos 90, passaram a noite velando os corpos e cantando hinos do Mestre Irineu, uma espécie de apóstolo da religião,
além de outros de autoria do
próprio cartunista, compositor
e líder religioso.
Ninguém dormiu. Foram 116
cantos, entoados desde a noite
de sexta-feira até o começo da
manhã de ontem, sempre entremeados por três pais nossos
e três avemarias. "Pai nosso,
que estais no céu, santificado
seja o vosso nome, vamos nós
ao vosso reino...", recitaram, diferentemente dos católicos.
Amanheceu sob sol forte o
conjunto de casas em torno da
igreja onde foram velados
Glauco e seu filho. Cerca de
cem pessoas tresnoitadas, muitas envergando os trajes brancos típicos dos daimistas,
aguardavam chorando a partida do cortejo fúnebre no gramado da comunidade, no conjunto de morros que formam o
pico do Jaraguá.
O carro do serviço funerário
recolheu os corpos por volta
das 9h. Saiu com a mulher de
Glauco, Beatriz Galvão, no banco da frente, segurando um lenço branco para fora da janela.
Na chegada ao cemitério, os
caixões de Glauco e Raoni, ambos cobertos com bandeiras do
Daime (também do Corinthians no caixão de Glauco e do
São Paulo, no de Raoni), foram
aplaudidos.
Juliana, enteada de Glauco
que estava presente na cena do
assassinato, "puxava" a cantoria, ao lado de César Augusto
Vilas Boas, conhecido como Pelicano, irmão de Glauco.
O cartunista e seu filho estavam vestidos com as fardas
brancas do Santo Daime, o traje
de gala da religião. Sob temperatura que passou dos 30 C, familiares ultimaram o rito em
homenagem aos mortos, cantando hinos (mais 12) e rezando. Jogaram flores sobre os caixões. O sepultamento acabou
por volta das 11h.
Na saída do enterro, a cartunista Ciça Alves Pinto, que nos
anos 70 criou o personagem
Pato, em tirinhas publicadas na
Folha, lembrou a influência de
Glauco. "Ele fazia um humor
com o que havia de mais nítido,
todo tipo de opressão ele explodia nos quadrinhos dele",
disse. "Era uma pessoa doce e
tímida ao mesmo tempo.
Quando acabou a repressão política, ele continuou ilustrando
as opressões sociais."
Também estiveram no enterro ontem pela manhã os cartunistas Orlando Spacca, Caco
Galhardo e Fábio Moon.
Texto Anterior: Análise: Seu olhar era sempre sorridente, infantil Próximo Texto: Análise: Charges buscavam instantâneo improvisado Índice
|