São Paulo, domingo, 14 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mais de cem hinos daimistas embalam enterro em São Paulo

LAURA CAPRIGLIONE
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Foram enterrados ontem pela manhã os corpos do cartunista Glauco Vilas Boas, 53, e de seu filho Raoni, 25, assassinados a tiros na madrugada de sexta-feira, em Osasco. Mas começou bem antes de os corpos descerem à cova, às 10h30, no cemitério Gethsemani Anhanguera, zona norte de São Paulo, o chamado "trabalho de passagem" em homenagem aos dois.
Familiares e amigos das vítimas, mortas em frente à casa onde moravam na comunidade religiosa daimista Céu de Maria, fundada por Glauco nos anos 90, passaram a noite velando os corpos e cantando hinos do Mestre Irineu, uma espécie de apóstolo da religião, além de outros de autoria do próprio cartunista, compositor e líder religioso.
Ninguém dormiu. Foram 116 cantos, entoados desde a noite de sexta-feira até o começo da manhã de ontem, sempre entremeados por três pais nossos e três avemarias. "Pai nosso, que estais no céu, santificado seja o vosso nome, vamos nós ao vosso reino...", recitaram, diferentemente dos católicos.
Amanheceu sob sol forte o conjunto de casas em torno da igreja onde foram velados Glauco e seu filho. Cerca de cem pessoas tresnoitadas, muitas envergando os trajes brancos típicos dos daimistas, aguardavam chorando a partida do cortejo fúnebre no gramado da comunidade, no conjunto de morros que formam o pico do Jaraguá.
O carro do serviço funerário recolheu os corpos por volta das 9h. Saiu com a mulher de Glauco, Beatriz Galvão, no banco da frente, segurando um lenço branco para fora da janela.
Na chegada ao cemitério, os caixões de Glauco e Raoni, ambos cobertos com bandeiras do Daime (também do Corinthians no caixão de Glauco e do São Paulo, no de Raoni), foram aplaudidos.
Juliana, enteada de Glauco que estava presente na cena do assassinato, "puxava" a cantoria, ao lado de César Augusto Vilas Boas, conhecido como Pelicano, irmão de Glauco.
O cartunista e seu filho estavam vestidos com as fardas brancas do Santo Daime, o traje de gala da religião. Sob temperatura que passou dos 30 C, familiares ultimaram o rito em homenagem aos mortos, cantando hinos (mais 12) e rezando. Jogaram flores sobre os caixões. O sepultamento acabou por volta das 11h.
Na saída do enterro, a cartunista Ciça Alves Pinto, que nos anos 70 criou o personagem Pato, em tirinhas publicadas na Folha, lembrou a influência de Glauco. "Ele fazia um humor com o que havia de mais nítido, todo tipo de opressão ele explodia nos quadrinhos dele", disse. "Era uma pessoa doce e tímida ao mesmo tempo. Quando acabou a repressão política, ele continuou ilustrando as opressões sociais."
Também estiveram no enterro ontem pela manhã os cartunistas Orlando Spacca, Caco Galhardo e Fábio Moon.


Texto Anterior: Análise: Seu olhar era sempre sorridente, infantil
Próximo Texto: Análise: Charges buscavam instantâneo improvisado
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.