São Paulo, sábado, 14 de março de 1998

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LITERATURA
"Livro reflete esquerda auto-enganada"

da Equipe de Articulistas

Leia, a seguir, continuação da entrevista de Marcelo Coelho.
(JOSÉ GERALDO COUTO)

Folha - Seu livro parece refletir um grande ceticismo diante da situação do país e do mundo.
Coelho -
Quando se faz um retrato desses, a idéia é mostrar que está todo mundo preso nessa situação. Acho que o livro reflete o que acontece agora no Brasil: uma despolitização muito grande, uma falta de alternativas.
A despolitização atual é curiosa porque não é aquela inconsciência cínica da classe dominante do século 19. É uma pós-politização, no sentido de que, entre essas pessoas, todo mundo já foi do PMDB, lutou pela democracia etc.
Objetivamente você não tem mais nada a ver com a esquerda, sua vida já é outra, mas você continua ligado imaginariamente à campanha do Fernando Henrique para o Senado em 78, ou a 84. Quer dizer, o cara não se sente despolitizado, nem se sente de direita. Os personagens do livro são assim, fazem parte dessa ex-esquerda, ou auto-enganada esquerda.
Folha - Isso se reflete no modo de narrar?
Coelho -
Claro. A tendência do narrador de se perder em digressões -sobre guardanapos, sobre discos voadores etc.- atende a meu gosto pela digressão, mas também corresponde a essa falta de eixo que acaba conduzindo tudo à frivolidade mesmo.
Folha - O livro tem muito de machadiano, no sentido de lidar com as máscaras sociais.
Coelho -
Sei lá se não é uma lição de casa bem feita. A estrutura da narração, o ponto de vista do narrador, o tipo de infração à lógica narrativa, talvez tudo isso corresponda àquela coisa machadiana de revelar a arbitrariedade da classe dominante na própria arbitrariedade do narrador.
Procurei jogar com três discursos dominantes: o religioso, o econômico e o jurídico. No fundo, os três são muito semelhantes, porque usam a lógica para chegar a conclusões muito disparatadas. É como se o discurso econômico hoje fosse a nova sofística religiosa.
Folha - Na literatura brasileira atual, o que vê de interessante?
Coelho -
No fundo, meu livro é também uma crítica ao que vejo como tendência dominante hoje, Rubem Fonseca em diante, que é a de fazer de toda história uma história policial. Mesmo no Bernardo Carvalho, que eu acho muito bom, parece que sempre tem de haver uma trama sobre identidades que se revelam, alguma intriga.
Folha - Outra tendência é a do romance pseudo-erudito, ambientado no passado, eventualmente mimetizando a fala da época.
Coelho -
Não tenho a menor paciência para isso. Não tive nem com "O Nome da Rosa", que seria a origem dessas duas coisas: o entrecho policial, por um lado, e a erudição histórica. Aí me disseram que "Aqueles Cães Malditos de Arquelau", de Isaías Pessotti, era melhor que "O Nome". Li 40 páginas e não consegui ir adiante.
Aliás, Rubem Fonseca também tem dessas erudições, de repente começa a falar sobre todos os tipos e marcas de facas. Não consigo nem saber se aquilo é a sério ou é piada. É como aqueles best sellers sobre aeroporto, hotel etc. O leitor saía do livro sabendo tudo sobre o assunto. Tem algo de professor de cursinho nisso tudo.



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