|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FESTA PORTUGUESA
Portugal celebra Descobrimento sem culpa
Reprodução
|
"Engenho real", de Frans Post,que está na mostra "A Construção do Brasil" |
CYNARA MENEZES
enviada especial a Lisboa
Enquanto por
aqui as opiniões se
dividem entre os
que consideram necessárias e desnecessárias as comemorações, Portugal celebra os 500
anos do Descobrimento do Brasil
sem culpa e com uma programação menos festeira e mais culta.
Os organizadores dos eventos
portugueses estranham certo "esvaziamento" na programação
brasileira, ainda com eventos em
aberto -na agenda de Portugal,
toda fechada, apenas alguns concertos que acontecem no Brasil
com artistas dos dois países ainda
aparecem sem local definido.
Segundo os números oficiais, o
país gastou cerca de R$ 30 milhões nos últimos três anos para
celebrar a data -metade dos
aproximadamente R$ 60 milhões
que o Brasil terá investido entre o
ano passado e este ano, principalmente na recuperação de cidades
e monumentos históricos.
A diferença está no enfoque: se
no Brasil a comemoração ganhou
um tom mais popular desde que a
organização dos eventos passou
do Ministério das Relações Exteriores para o do Esporte e do Turismo, a portuguesa optou por
uma mescla entre o festivo e o
acadêmico.
O destaque da programação
dos 500 anos em Portugal são as
exposições de caráter histórico-cultural, como "A Construção do
Brasil", em Lisboa, com documentos históricos que incluem o
mapa brasileiro que figurava no
Atlas Miller, de 1519, cedido pela
Biblioteca Nacional da França, ou
o folheto "Mundus Novus", atribuído a Américo Vespúcio.
São mapas, documentos, pinturas, tapeçarias, jóias, moedas e
outros objetos cedidos especialmente para a mostra por 70 entidades de sete países. De acordo
com o presidente da Comissão
dos Descobrimentos Portugueses, o historiador Joaquim Romero de Magalhães, para trazer a exposição ao Brasil seriam necessários R$ 5 milhões, além da disponibilidade na agenda das entidades para cessão do material.
Embora cuidadosa, de bom
gosto e organizada, a programação também suscita, como aqui,
críticas: em Lisboa se comenta, à
boca pequena, que Portugal celebra a si próprio. Afinal, a comissão, criada em 96, comemora os
descobrimentos feitos pelo país
em geral -e o da frota de Pedro
Álvares Cabral dentro desse contexto. Ou seja, seria a comemoração não do país revelado ao mundo, mas do feito português.
Romero de Magalhães aceita o
fato. "Com certeza que sim, o Brasil também está comemorando a
si próprio, não a Portugal. Mas tudo isso que estamos fazendo é
ainda uma homenagem ao Brasil.
Acho até que o Brasil tem mais razões para comemorar do que Portugal, é ele quem faz anos", diz.
A uma certa timidez no Brasil
em comemorar "o ser colonizado", o historiador contrapõe a
"injustiça" de que protestos como
o marcado para Porto Seguro no
dia 22 atinjam também os portugueses. "Não há o que desculpar,
todas as colonizações são más,
mas daquela resultou algo extraordinário que se chama Brasil.
E os protestos dizem respeito ao
Brasil atual, não à colonização
portuguesa", defende.
"O que nós, portugueses, temos
com os sem-terra? Que a estrutura fundiária decorre da colonização, tudo bem, mas em 180 anos
de independência já se poderia ter
resolvido isso. A Mata Atlântica
também só começa a ser devastada após a introdução da serra mecânica. E até escravidão foi extinta
em Portugal antes, em 1760."
O diretor do Museu Nacional de
Etnologia, o antropólogo Joaquim Pais de Brito, vai mais longe
e aponta um certo "complexo de
ex-colonizado" no Brasil pós-500
anos de "achamento", como dizem os organizadores das comemorações por lá.
"Acho que há um esvaziamento
em torno das comemorações. O
Brasil adquiriu uma dimensão tal
que já teria tido meio de se libertar
desse complexo", afirmou. "O
pior é que basta isso estar presente em uma pessoa para atrapalhar
todo o processo."
Brito, que organiza para setembro uma grande mostra sobre os
índios brasileiros e sua relação
com o homem branco europeu
("Os Índios, Nós"), defende que é
"extremamente redutor" dizer
que a colonização portuguesa tenha sido mais suave ou mais dura.
"Houve muita violência, correu
muito sangue e houve muita miscigenação. O marquês de Pombal
fala da colonização pelo casamento. O que se costuma esquecer,
porém, é que nos séculos 19 e 20
também se dizimaram muitos índios", diz. "As razões dos protestos dos índios de agora, se forem
relacionadas à colonização, são
ficções. Eles protestam por sua situação hoje."
Brito vê razões para a celebração pura e simples. "Se um país
começa a se construir com uma
mescla de países a partir de uma
determinada data, sim, acho que
há motivos para comemorar."
Apenas alguns dos eventos programados em Portugal virão ao
Brasil, por causa do custo do
transporte e do seguro para as
obras de arte e documentos.
A mostra "Leituras da Carta de
Pero Vaz de Caminha", com a visão de artistas portugueses sobre
o documento, virá em setembro
para o Itamaraty, em Brasília. A
exposição sobre os índios também pode vir a acontecer no Rio,
mas ainda não está confirmada.
Em São Paulo, na Pinacoteca do
Estado, em setembro, será aberta
uma exposição com instrumentos científicos oriundos de universidades portuguesas, utilizados nas expedições feitas ao interior do Brasil nos seus primeiros
séculos depois de descoberto. Alguns concertos e os congressos
"Portugal-Brasil 2000" também
acontecem aqui e lá.
No mais, é como provoca Joaquim Romero de Magalhães, na
defesa do que Portugal tem a oferecer: "O que temos procurado é
sair da retórica, da conversa fiada,
para fazer coisas concretas. O
Brasil é prioridade da política externa portuguesa. Ou não nos empenharíamos numa comemoração que, afinal, é dispendiosa."
A jornalista Cynara Menezes viajou a Portugal a convite do Icep (Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal)
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Brasil invade ex-metrópole via TV Índice
|