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Road movie do sertão
"Árido Movie", segundo longa do pernambucano Lírio Ferreira, que estréia hoje, é uma viagem em direção ao interior do Brasil
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Árido Movie" começa quando
Jonas (Guilherme Weber) deixa a
metrópole onde vive e volta ao
sertão onde nasceu para o enterro
do pai (Paulo César Pereio).
Forasteiro na própria terra, ele
vê tudo fora de lugar -há um caixão no meio da sala e uma mulher
que não larga a idéia de vingança.
A avó de Jonas (Maria de Jesus
Bacarelli) quer que o neto mate o
assassino do pai. Trata-se do índio Jurandir (Luiz Carlos Vasconcellos), que agiu acreditando defender a própria honra ao ver a irmã, Wejda (Suyane Moreira),
enredada por seu maior desafeto.
O pai de Jonas se chama Lázaro.
Lázaro é também o personagem
bíblico cuja ressurreição na tela fixou a primeira memória cinematográfica do autor de "Árido Movie", o cineasta Lírio Ferreira.
"Fechei os olhos na cena em que
ele ressuscita", lembra Ferreira,
41, voltando 36 anos no tempo,
até o Cine Rivoli, no bairro da Casa Amarela e de sua infância em
Recife. Onde havia o Cine Rivoli
hoje há uma agência de banco.
Essa é uma das mudanças que
Ferreira percebe sempre que volta
à cidade que trocou pelo Rio de
Janeiro, em 1997, quando seu primeiro longa-metragem ("Baile
Perfumado", em co-direção com
Paulo Caldas) cumpria o objetivo
de "colocar Pernambuco na geografia cinematográfica do país".
"Árido Movie" está repleto de
memórias e referências à vida de
Ferreira e a de seus amigos. Homem de turma, como se define, e
amigo dos bares, ele concebeu o
longa com "uma idéia na cabeça e
um copo na mão".
A seguir, o cineasta fala sobre
seu filme e sobre "árido movie",
que, um dia, foi um manifesto pelo cinema nordestino. Hoje não é
mais. O tempo passa. O Nordeste
entrou no mapa.
Folha - O que há de autobiográfico no filme sobre um nordestino
que se tornou o "homem do tempo" na megalópole e retorna ao
sertão para rever laços familiares?
Lírio Ferreira - Todo filme tem
um caráter um pouco autobiográfico. "Árido Movie" tem, não só
meu, mas das pessoas que me cercam. Descobri o sertão quando
criança. Meu pai tinha um armazém no interior da Bahia. Cruzávamos o sertão de Pernambuco
em direção ao interior da Bahia.
O sertão era presente e cotidiano na minha infância. Ao mesmo
tempo, eu me sentia completamente estranho ali. Tudo me impressionava muito. As pessoas,
sua maneira elegante, educada e
sincera; a luz, o clima.
"Árido Movie" é autobiográfico
no sentido dessa volta, da busca
de memórias. Tem também homenagens a amigos, a pessoas que
me cercam. E outras coisas mais.
Folha - Que outras coisas?
Ferreira - É um mergulho para
dentro e para fora. Não é à toa que
o nome é "Árido Movie", é um estado de espírito de determinado
momento da minha vida. Ele rouba da realidade várias coisas.
Folha - "Baile Perfumado", seu
filme anterior, é de 1997. Por que o
segundo demorou tanto?
Ferreira - A realização às vezes é
inversamente proporcional à
imaginação. São várias dificuldades. Quando terminei "Baile Perfumado", pensei em adaptar um
livro, fiquei um tempo nisso, depois desisti.
O [filme sobre] Cartola já é um
projeto que vem de antes, mas teve dificuldade de captação [de dinheiro para a produção]. No início do segundo semestre deverá
estar pronto. "Árido Movie" é um
projeto que começou em 2000.
Mas, nesse ínterim, não fiquei
parado. Trabalhei muito com videoclipe, que é o contrário do cinema -você tem uma idéia, produz em quatro dias, filma em dois
e já vê pronto.
Utilizei esse tempo que o "Árido
Movie" ficou entre idas e vindas
aprimorando o que eu queria fazer, jogando a favor do filme e não
transformando isso em empecilho, em algo desmotivador.
Folha - O rótulo "árido movie"
surgiu como uma bandeira do cinema nordestino. Hoje, nenhum dos
cineastas que a levantaram faz
questão de defendê-la. Por quê?
Ferreira - "Árido movie" nunca
foi um movimento nem um manifesto. É uma mística. É uma expressão cunhada pelo cineasta e
jornalista Amin Stepple, com
quem dirigi [o curta-metragem]
"That's a Lero Lero" [1994].
Era uma mística sobre o momento em que a gente estava vivendo, em que [o cineasta] Marcelo [Gomes] estava escrevendo o
roteiro de "Cinema, Aspirinas e
Urubus" [2005], em que [o cineasta] Cláudio [Assis] estava
pensando no "Amarelo Manga"
[2002], em que a gente estava acabando de sair do "Baile Perfumado" [1997]. Era também um contraponto ao mangue beat. Mas era
mais um estado de espírito do que
um movimento em si.
O filme resgata esses momentos. É uma grande homenagem
àquela época e àquele momento
inquieto em que a gente tentava
colocar Pernambuco na geografia
cinematográfica do país.
A gente sentava numa mesa de
bar, discutia muito cinema e bebia muito uísque. Era uma idéia
na cabeça e um copo na mão.
Folha - Qual a frase que seus amigos mais lhe dizem?
Ferreira - Lírio, vá com calma!
Folha - Você ouve?
Ferreira - Ouço com respeito,
mas não sei se conjugo.
Folha - Por que escolheu Guilherme Weber para viver Lírio Ferreira?
Ferreira - Não é o Lírio Ferreira
[risos].
Folha - É o Selton Mello quem interpreta Lírio Ferreira?
Ferreira - Não sei. Talvez um
pouquinho de cada um.
Folha - "Árido Movie" é deliberadamente filme para pouco público?
Ferreira - Muito pelo contrário.
Quero que o máximo de gente assista. Tenho desejo de público.
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