São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2006

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Road movie do sertão

"Árido Movie", segundo longa do pernambucano Lírio Ferreira, que estréia hoje, é uma viagem em direção ao interior do Brasil

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Árido Movie" começa quando Jonas (Guilherme Weber) deixa a metrópole onde vive e volta ao sertão onde nasceu para o enterro do pai (Paulo César Pereio). Forasteiro na própria terra, ele vê tudo fora de lugar -há um caixão no meio da sala e uma mulher que não larga a idéia de vingança.
A avó de Jonas (Maria de Jesus Bacarelli) quer que o neto mate o assassino do pai. Trata-se do índio Jurandir (Luiz Carlos Vasconcellos), que agiu acreditando defender a própria honra ao ver a irmã, Wejda (Suyane Moreira), enredada por seu maior desafeto.
O pai de Jonas se chama Lázaro. Lázaro é também o personagem bíblico cuja ressurreição na tela fixou a primeira memória cinematográfica do autor de "Árido Movie", o cineasta Lírio Ferreira.
"Fechei os olhos na cena em que ele ressuscita", lembra Ferreira, 41, voltando 36 anos no tempo, até o Cine Rivoli, no bairro da Casa Amarela e de sua infância em Recife. Onde havia o Cine Rivoli hoje há uma agência de banco.
Essa é uma das mudanças que Ferreira percebe sempre que volta à cidade que trocou pelo Rio de Janeiro, em 1997, quando seu primeiro longa-metragem ("Baile Perfumado", em co-direção com Paulo Caldas) cumpria o objetivo de "colocar Pernambuco na geografia cinematográfica do país".
"Árido Movie" está repleto de memórias e referências à vida de Ferreira e a de seus amigos. Homem de turma, como se define, e amigo dos bares, ele concebeu o longa com "uma idéia na cabeça e um copo na mão".
A seguir, o cineasta fala sobre seu filme e sobre "árido movie", que, um dia, foi um manifesto pelo cinema nordestino. Hoje não é mais. O tempo passa. O Nordeste entrou no mapa.

Folha - O que há de autobiográfico no filme sobre um nordestino que se tornou o "homem do tempo" na megalópole e retorna ao sertão para rever laços familiares?
Lírio Ferreira -
Todo filme tem um caráter um pouco autobiográfico. "Árido Movie" tem, não só meu, mas das pessoas que me cercam. Descobri o sertão quando criança. Meu pai tinha um armazém no interior da Bahia. Cruzávamos o sertão de Pernambuco em direção ao interior da Bahia.
O sertão era presente e cotidiano na minha infância. Ao mesmo tempo, eu me sentia completamente estranho ali. Tudo me impressionava muito. As pessoas, sua maneira elegante, educada e sincera; a luz, o clima.
"Árido Movie" é autobiográfico no sentido dessa volta, da busca de memórias. Tem também homenagens a amigos, a pessoas que me cercam. E outras coisas mais.

Folha - Que outras coisas?
Ferreira -
É um mergulho para dentro e para fora. Não é à toa que o nome é "Árido Movie", é um estado de espírito de determinado momento da minha vida. Ele rouba da realidade várias coisas.

Folha - "Baile Perfumado", seu filme anterior, é de 1997. Por que o segundo demorou tanto?
Ferreira -
A realização às vezes é inversamente proporcional à imaginação. São várias dificuldades. Quando terminei "Baile Perfumado", pensei em adaptar um livro, fiquei um tempo nisso, depois desisti.
O [filme sobre] Cartola já é um projeto que vem de antes, mas teve dificuldade de captação [de dinheiro para a produção]. No início do segundo semestre deverá estar pronto. "Árido Movie" é um projeto que começou em 2000.
Mas, nesse ínterim, não fiquei parado. Trabalhei muito com videoclipe, que é o contrário do cinema -você tem uma idéia, produz em quatro dias, filma em dois e já vê pronto.
Utilizei esse tempo que o "Árido Movie" ficou entre idas e vindas aprimorando o que eu queria fazer, jogando a favor do filme e não transformando isso em empecilho, em algo desmotivador.

Folha - O rótulo "árido movie" surgiu como uma bandeira do cinema nordestino. Hoje, nenhum dos cineastas que a levantaram faz questão de defendê-la. Por quê?
Ferreira -
"Árido movie" nunca foi um movimento nem um manifesto. É uma mística. É uma expressão cunhada pelo cineasta e jornalista Amin Stepple, com quem dirigi [o curta-metragem] "That's a Lero Lero" [1994].
Era uma mística sobre o momento em que a gente estava vivendo, em que [o cineasta] Marcelo [Gomes] estava escrevendo o roteiro de "Cinema, Aspirinas e Urubus" [2005], em que [o cineasta] Cláudio [Assis] estava pensando no "Amarelo Manga" [2002], em que a gente estava acabando de sair do "Baile Perfumado" [1997]. Era também um contraponto ao mangue beat. Mas era mais um estado de espírito do que um movimento em si.
O filme resgata esses momentos. É uma grande homenagem àquela época e àquele momento inquieto em que a gente tentava colocar Pernambuco na geografia cinematográfica do país.
A gente sentava numa mesa de bar, discutia muito cinema e bebia muito uísque. Era uma idéia na cabeça e um copo na mão.

Folha - Qual a frase que seus amigos mais lhe dizem?
Ferreira -
Lírio, vá com calma!

Folha - Você ouve?
Ferreira -
Ouço com respeito, mas não sei se conjugo.

Folha - Por que escolheu Guilherme Weber para viver Lírio Ferreira?
Ferreira -
Não é o Lírio Ferreira [risos].

Folha - É o Selton Mello quem interpreta Lírio Ferreira?
Ferreira -
Não sei. Talvez um pouquinho de cada um.

Folha - "Árido Movie" é deliberadamente filme para pouco público?
Ferreira -
Muito pelo contrário. Quero que o máximo de gente assista. Tenho desejo de público.


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