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ANÁLISE
Jonas: homem de um tempo
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Jonas , o protagonista de "Árido Movie", é homem do tempo, expressão carregada de possibilidades: homem do tempo pode
ser, por exemplo, Deus; um meteorologista (caso do próprio);
um filósofo; um guru.
Certamente, no filme, Jonas é
homem de UM tempo, o de São
Paulo -tempo de utilidades e
certezas.
E é no Nordeste -no sertão árido onde morreu seu pai, pertencente a uma família de coronéis
em que ainda prevalece a "vendetta"- que ele conhece um outro tempo. Ou melhor, vários.
O tempo do sol, da seca; o tempo que não passa, também do sol,
mas igualmente da "vendetta"; o
tempo dos índios, ameaçados de
extinção literal e representados de
forma agressivamente comovedora por José Dumont, o Zé Elétrico, que, num momento do filme, diz que vai sair para meditar,
já que "o mundo tá transitando na
contramão".
O sol de João Cabral
Dentro de um táxi, no Recife, Jonas, o homem do tempo, sussurra
para um motorista que não o entende, praguejando contra o sol
mormacento: "Sol de dois canos".
É o sol de João Cabral de Melo Neto: "O sol em Pernambuco leva
dois sóis/ sol de dois canos, de tiro
repetido;/ o primeiro dos dois, o
fuzil de fogo/ incendeia a terra: tiro de inimigo./ O sol em Pernambuco leva dois sóis,/ sol de dois canos, de tiro repetido;/ o segundo
dos dois, o fuzil de luz,/ revela real
a terra: tiro de inimigo".
E Jonas e o espectador deveriam
então aprender que o sol, no Nordeste (pelo menos no sertão), é
sempre inimigo. Mas não aprendemos, não.
Eu, pelo menos, me senti idêntica à personagem interpretada por
Giulia Gam, Soledad, videomaker
pseudo-intelectual que se deixa
fascinar ingenuamente pelo discurso aforístico-sabido de Meu
Velho, personagem interpretada
por Zé Celso, líder religioso no estilo "Coração das Trevas", que diz
frases como "isso aqui é e não é,
mas está sendo".
Imagino que, se estivesse no lugar dela, cairia direitinho nas palavras dele e também o acharia
lindo, sem fazer idéia de que ele
faz parte da trama exploratória de
água dos coronéis da região.
Mas, como ajuizadamente diz o
nome do posto de gasolina de Zé
Elétrico, Oposto, não tenho certeza se a ingenuidade é mesmo o
pior desta história.
Talvez aqueles jagunços absurdos sejam tudo menos ingênuos,
mas não sei se são o oposto disso.
E muitas vezes acho melhor a credulidade do possível ao pragmatismo do factível.
Noemi Jaffe é escritora e professora de
literatura, autora de "Folha Explica Macunaíma" (Publifolha) e "Todas as Coisas
Pequenas" (Hedra)
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