São Paulo, quarta, 14 de maio de 1997.



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Concurso é conservador

JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha

Não houve nenhuma surpresa no resultado do Prêmio Nestlé de Literatura. Todos os vencedores -incluindo os "estreantes"- são figuras mais que carimbadas.
O estreante em romance Luiz Alfredo Garcia-Roza, 60, é autor de diversos livros importantes nas áreas da filosofia e da psicanálise. O poeta estreante Antonio Cícero, 49, é famoso como letrista de música popular e ensaísta. O contista estreante Antonio Fernando Borges, 42, é tarimbado roteirista de televisão.
Alguém poderia dizer que o Prêmio Nestlé não confia em ninguém com menos de 40 anos. Mais correto, entretanto, é supor que o novo perfil do concurso privilegia de modo geral os autores consagrados, que recebem prêmio maior que os estreantes, e, entre esses últimos, aqueles que já passaram por algum aval anterior.
Atenção: não se está dizendo que o concurso seja um jogo de cartas marcadas, muito menos que os ganhadores não mereçam o prêmio. Os vencedores são ótimos, o júri é ótimo, o prêmio é mais que ótimo.
Trata-se apenas de uma constatação: o Prêmio Nestlé, surgido há 21 anos, na época como Bienal Nestlé, inverteu seu sentido. Em sua origem, era um concurso de textos inéditos, aberto a qualquer cidadão.
Chegavam de todo o país trabalhos de milhares de concorrentes, o que causava enormes dificuldades operacionais na hora de separar o trigo (raro) do joio (farto).
Os premiados, além do dinheiro, ganhavam a publicação de seus textos -o que, deve-se admitir, não era garantia de sucesso de crítica, e muito menos de público.
No novo formato, só tem direito a concorrer quem já venceu a primeira corrida de obstáculos que é a publicação do livro. Nesse sentido, é um concurso similar ao Prêmio Jabuti, concedido anualmente pela Câmara Brasileira do Livro.
O único incentivo aos inéditos é indireto: o concurso premia as editoras que publicaram os ganhadores nas categorias de estreantes -o que, teoricamente, pode estimulá-las a lançar outros novatos.
Talvez estejamos assistindo ao fim das ilusões democratistas da Bienal Nestlé e de outros concursos semelhantes surgidos nos anos 70, que apostavam na possibilidade de pescar um gênio no meio da multidão.
É evidente que o novo formato é mais interessante para os promotores do concurso, do ponto de vista do falado "retorno de mídia". O espaço concedido pelos veículos de comunicação é sempre maior quando se trata de nomes famosos.
Do ponto de vista das editoras, a mudança também agradou: é mais um canal para a divulgação e promoção de seus livros (não só dos eventuais vencedores, mas também dos finalistas).
"Sabe Quem Dançou?", perguntava há 20 anos o título de um livro do então iniciante Júlio César Monteiro Martins. A resposta, hoje, é óbvia: o jovem escritor.




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