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Concurso é conservador
JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha
Não houve nenhuma surpresa no resultado do Prêmio Nestlé de Literatura. Todos os vencedores -incluindo os "estreantes"- são figuras mais
que carimbadas.
O estreante em romance Luiz
Alfredo Garcia-Roza, 60, é autor de diversos livros importantes nas áreas da filosofia e da
psicanálise. O poeta estreante
Antonio Cícero, 49, é famoso
como letrista de música popular e ensaísta. O contista estreante Antonio Fernando
Borges, 42, é tarimbado roteirista de televisão.
Alguém poderia dizer que o
Prêmio Nestlé não confia em
ninguém com menos de 40
anos. Mais correto, entretanto,
é supor que o novo perfil do
concurso privilegia de modo
geral os autores consagrados,
que recebem prêmio maior que
os estreantes, e, entre esses últimos, aqueles que já passaram
por algum aval anterior.
Atenção: não se está dizendo
que o concurso seja um jogo de
cartas marcadas, muito menos
que os ganhadores não mereçam o prêmio. Os vencedores
são ótimos, o júri é ótimo, o
prêmio é mais que ótimo.
Trata-se apenas de uma constatação: o Prêmio Nestlé, surgido há 21 anos, na época como
Bienal Nestlé, inverteu seu sentido. Em sua origem, era um
concurso de textos inéditos,
aberto a qualquer cidadão.
Chegavam de todo o país trabalhos de milhares de concorrentes, o que causava enormes
dificuldades operacionais na
hora de separar o trigo (raro)
do joio (farto).
Os premiados, além do dinheiro, ganhavam a publicação de seus textos -o que, deve-se admitir, não era garantia
de sucesso de crítica, e muito
menos de público.
No novo formato, só tem direito a concorrer quem já venceu a primeira corrida de obstáculos que é a publicação do
livro. Nesse sentido, é um concurso similar ao Prêmio Jabuti,
concedido anualmente pela
Câmara Brasileira do Livro.
O único incentivo aos inéditos é indireto: o concurso premia as editoras que publicaram
os ganhadores nas categorias
de estreantes -o que, teoricamente, pode estimulá-las a lançar outros novatos.
Talvez estejamos assistindo
ao fim das ilusões democratistas da Bienal Nestlé e de outros
concursos semelhantes surgidos nos anos 70, que apostavam na possibilidade de pescar
um gênio no meio da multidão.
É evidente que o novo formato é mais interessante para os
promotores do concurso, do
ponto de vista do falado "retorno de mídia". O espaço concedido pelos veículos de comunicação é sempre maior quando se trata de nomes famosos.
Do ponto de vista das editoras, a mudança também agradou: é mais um canal para a divulgação e promoção de seus
livros (não só dos eventuais
vencedores, mas também dos
finalistas).
"Sabe Quem Dançou?", perguntava há 20 anos o título de
um livro do então iniciante Júlio César Monteiro Martins. A
resposta, hoje, é óbvia: o jovem
escritor.
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