São Paulo, segunda-feira, 14 de maio de 2001

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ARTES PLÁSTICAS

Retrospectiva do artista começa amanhã no CCBB do Rio

Waltercio Caldas expõe razão e sensibilidade

CRISTIAN KLEIN
DA SUCURSAL DO RIO

A essência da obra de Waltercio Caldas, 54, concebida nos últimos anos -período em que a carreira do artista decolou internacionalmente-, é tema da retrospectiva que o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) do Rio inaugura amanhã.
"Waltercio Caldas 1985-2000" é a primeira mostra com caráter retrospectivo do escultor, que é um dos pilares da arte contemporânea brasileira e expoente da arte conceitual dos anos 70.
Caldas atualiza o público, exibindo uma seleção de 55 obras, escolhidas pela curadora Ligia Canongia, formada por esculturas, livros-objetos, desenhos, uma aquarela, maquetes de obras públicas, seis cadernos de anotações e uma série de trabalhos inéditos.
"Nos últimos anos tenho realizado muitas exposições fora do país, e muitos trabalhos não foram vistos. Tenho a vontade de nunca desvincular minha prática artística do Brasil", diz Caldas.
O artista preferiu conceber a retrospectiva como a exibição de um processo de trabalho que está sendo realizado, e não uma visão passadista sobre sua obra. "O que faço é um trabalho só, que se modifica o tempo todo."
E por que a escolha de 85 como marco? O artista explica que esse ano, de certa forma, é um divisor de sua carreira.
"Foi importante para mim, quando voltei ao Brasil depois de ter morado um ano em Nova York. Estava cansado do pragmatismo americano. Apesar do mercado, comecei a apresentar minha poética de forma mais radical. É um período paradoxal porque, justamente quando me desestimulei da carreira internacional, ela começou a decolar um ano depois", afirma.
Caldas já representou o Brasil nas principais mostras de arte do mundo: na Documenta de Kassel (Alemanha), em 1992, e na Bienal de Veneza (Itália), em 1997. Duas peças suas fazem parte da coleção do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York): "Desenho Japão", de 1972, e o objeto "Espelho com Luz" (1975).
A elegância é uma marca de seu trabalho, em estruturas que, às vezes, combinam o uso da transparência (por meio do vidro), da matéria (metal e madeira, por exemplo) e do espaço vazio, que parece ganhar uma fisicidade palpável, modelável. Nas esculturas de Caldas, matéria e não-matéria podem ser uma coisa só.
"Uma das características do meu trabalho é que o processo de aparecimento dele é muito crítico. Tenho todo um ponto de vista a respeito do fato de que, quando um objeto é visto, ele é perdido para sempre pelo olhar. Você vê um objeto, e ele deixa de ser um objeto possível para ser um objeto existente", diz o artista.
Daí o esforço de Caldas para que seus trabalhos nunca sejam perdidos pelo olhar e necessitem sempre uma observação mais atenta. Entre os artifícios utilizados, está o exercício da dúvida.
Ele cita um episódio em que uma criança, ao observar a "Série Veneza", se aproximou, passando a mão sobre o que pensava ser uma superfície de vidro, uma vez que esse material também faz parte de outros planos da obra. Com sua curiosidade de criança, o garoto descobriu o vazio -uma consequência do que Waltercio Caldas chama de "aparecimento crítico" de seu trabalho.
Esse limite entre o que se vê e o que não se vê é um reflexo da arte cerebral e, ao mesmo tempo, poética do artista. Filho de um engenheiro, Caldas procura a síntese da razão com a sensibilidade.
"Pensar é emocionalmente e muito mobilizador. Nunca fiz distinção entre pensar e me emocionar. Sempre vi isso muito interligado. Quando você vê a fotografia do Einstein (1879-1955) de língua de fora, você sabe o que ele está querendo dizer. A razão é um dos mais agradáveis delírios", afirma.
Caldas afirma não temer sobre a possibilidade de sua obra ser confundida com design. "Quem responde isso de uma forma muito irônica é [o escultor suíço" Giacometti (1901-1966). Ele diz que para você reconhecer um objeto de design e um objeto artístico é muito simples. O objeto de design é sempre perfeito. O objeto artístico será sempre imperfeito e nunca terá que responder a uma função. A arte tem muitas maneiras de demonstrar sua autonomia."
A exposição de Waltercio Caldas no CCBB contará com a maquete de uma escultura que ele fez para a lagoa Rodrigo de Freitas, em homenagem a Tom Jobim (1927-1994), a pedido da família do músico. O projeto ainda depende de uma negociação com a prefeitura, que já dura cinco anos.
Entre os trabalhos inéditos, se destaca uma homenagem ao pianista americano Thelonious Monk (1917-1982). A peça, de 1998, tem uma estrutura de metal sobre uma base de granito preto onde se estende uma pele de coelho. "É uma homenagem à maneira como ele continuamente criava um problema musical para resolver no compasso logo depois", afirma o artista.


WALTERCIO CALDAS 1985-2000. Retrospectiva do artista Waltercio Caldas. Onde: Centro Cultural Banco do Brasil - teatro 1 (av. 1º de Março, 66, Rio, tel. 0/xx/21/3808-2020). Quando: de terça a domingo, das 12h às 20h; até 29/ 7. Quanto: grátis.




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