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Time de roteiristas comete "crimes" homéricos
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS
O filme até que é gostoso
de assistir, e as formas de
Helena (Diane Kruger) justificam, se não uma guerra, ao
menos uma ida ao cinema para
conferir "Tróia". Isto posto, as
justiças histórica e poética exigem que se diga que o filme,
embora dê créditos a Homero,
tem pouco a ver com a obra do
poeta grego autor da "Ilíada".
Ninguém poderia esperar
que Hollywood seguisse à risca
os hexâmetros homéricos. A rigor, nem o próprio Homero foi
muito fiel à tradição oral da
qual o seu poema é tributário.
Foram os acréscimos e as elaborações ajuntados por várias
gerações de aedos -dos quais
Homero é o maior representante- que transformaram
uma historinha corriqueira (a
infidelidade de uma mulher seguida de um ajuste de contas
entre os homens envolvidos)
na monumental obra de quase
16 mil versos que inaugurou a
literatura do Ocidente e se tornou a espinha dorsal da tradição clássica européia.
Essas considerações não bastam para legitimar alguns dos
crimes homéricos que os roteiristas cometeram contra Homero. O que mais salta à vista é
a ausência dos deuses. Na "Ilíada" e em menor grau na "Odisséia", os deuses são personagens centrais, interferindo na
trama e chegando a travar
combate ao lado dos heróis.
Não sei se foi ou não uma
concessão ao lobby religioso
dos EUA, o fato é que o panteão
olímpico não apenas deixa de
atuar no filme como ainda se
nota um certo desdém para
com a religião grega. A única
imortal que faz uma ponta é a
ninfa Tétis, mãe de Aquiles, retratada de forma ambígüa, podendo passar por uma velha
meio amalucada. "Mutatis mutandis", eliminar os deuses é
como contar a história da Bela
Adormecida sem bruxa e fadas.
O corte de personagens importantes força os roteiristas a
manobras arriscadas. Exemplo: Páris, o príncipe troiano
que roubou Helena de Menelau, dando início à guerra, trava
um duelo com o marido ultrajado. Em Homero, Páris é salvo
pela deusa Afrodite. Em
"Tróia", ele se acovarda, sendo
resgatado pelo irmão Heitor.
Convenhamos que um Páris
covarde não convence.
O que também não convence
na indústria cinematográfica é
uma fita sem vilões. Assim,
Agamêmnon, o chefe dos gregos, retratado na "Ilíada" como
herói valente, virou um canalha, responsável por quase tudo de ruim que acontece.
Outras "soluções" adotadas
devem ter feito Homero sentir
calafrios mesmo no Hades, o
mundo dos mortos. No filme,
Agamêmnon, como todo bom
bandido, morre no final. Na
mitologia, porém, ele volta para Micenas, para ser assassinado por sua mulher, Clitemnestra. Com essa morte, Hollywood privou o mundo de algumas das mais belas tragédias
gregas já escritas, que contam
os dramas de Agamêmnon e
sua descendência. É claro que
são detalhes. Um crime maior
pode ser cometido se a Academia der a Homero o Oscar de
melhor roteiro original.
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