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CRÍTICA
Seqüências realistas democratizam "Ilíada"
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Há Tróia e o cavalo de Tróia,
Heitor e Aquiles, a bela Helena e Menelau. Há guerra e romance, reviravoltas incríveis,
deuses, heróis, duelos...
Pode-se pensar que é quase impossível não tirar um bom filme
de "Ilíada", mas não é bem assim.
Em primeiro lugar, aí estão matrizes que foram usadas por mais ou
menos todas as produções épicas
(com exceção das de inspiração
bíblica). De certa forma, esses episódios já nos foram contados, separadamente, muitas vezes (ninguém estranhe se, vez ou outra, tiver a impressão de estar vendo
um faroeste: faz todo o sentido).
Em segundo lugar, há que enfrentar a questão da distância e do
respeito que impõe a Grécia antiga. Como abordar esses personagens sem torná-los entojados ou
coloquiais em excesso? Que destino dar a deuses que ninguém
mais sabe quem são: tirá-los da
história é uma arbitrariedade, incluí-los, a rota para o fracasso.
Também é preciso ter um grande nome para puxar o filme, alguém como Brad Pitt. Mas como
esse rosto manjado cairá para um
personagem como Aquiles?
O terceiro e maior problema a
resolver é Helena. A guerra de
Tróia entrou para a história como
a guerra por causa de uma mulher: ela abandona Esparta e seu
marido, Menelau, por Páris, príncipe de Tróia.
Agamenon, irmão de Menelau,
deixa claro que ela é, antes de tudo, um ótimo pretexto para ele
marchar sobre Tróia. Mas ninguém aceitaria que Páris pusesse
Tróia em perigo por uma garota
qualquer. Helena não poderia ser
uma que eu acho bonita e você
não. Teria que ser uma beleza objetiva, que todos reconhecem. E
esse problema a produção resolveu muito bem na pessoa da alemã Diane Kruger.
O diretor Wolfgang Petersen
também nos faz o favor de realizar
boas seqüências de capa-e-espada, que não deixam de ser espetaculares por serem minimamente
realistas -ao contrário do gosto
atual, em que os personagens
saem voando etc. É verdade que
os efeitos computadorizados correm soltos, criando Exércitos monotonamente intermináveis, por
exemplo: já que as imagens são
reproduzidas, não há necessidade
de usar muitos figurantes, com
todos os problemas representados por eles. Mas algo de tremendamente artificial se intromete na
imagem (que perde qualidade).
Não se pode ter tudo. "Tróia"
está na tradição do "digest": diante de um original inimitável, o que
importa não é a parcela da obra de
Homero que foi prostituída para
que daí saísse um filme. Importa é
o que o filme traz, retirando-a do
convívio exclusivo dos freqüentadores de biblioteca e, de certo modo, democratizando-a.
Por fim: Petersen optou por fazer um filme antibélico. Deu sorte: é bem agora, em que a guerra
no Iraque anda em baixa, que a
Warner decidiu lançá-lo. Pelo
sim, pelo não, na sessão para imprensa os suspeitos convivas foram submetidos a um detector de
metais. No fim, na platéia, todos
sobreviveram. Na tela, nem tanto.
Tróia
Troy
Direção: Wolfgang Petersen
Produção: EUA, 2004
Com: Brad Pitt, Orlando Bloom
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Butantã, Center Norte,
Eldorado e circuito
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