São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Seqüências realistas democratizam "Ilíada"

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Há Tróia e o cavalo de Tróia, Heitor e Aquiles, a bela Helena e Menelau. Há guerra e romance, reviravoltas incríveis, deuses, heróis, duelos...
Pode-se pensar que é quase impossível não tirar um bom filme de "Ilíada", mas não é bem assim. Em primeiro lugar, aí estão matrizes que foram usadas por mais ou menos todas as produções épicas (com exceção das de inspiração bíblica). De certa forma, esses episódios já nos foram contados, separadamente, muitas vezes (ninguém estranhe se, vez ou outra, tiver a impressão de estar vendo um faroeste: faz todo o sentido).
Em segundo lugar, há que enfrentar a questão da distância e do respeito que impõe a Grécia antiga. Como abordar esses personagens sem torná-los entojados ou coloquiais em excesso? Que destino dar a deuses que ninguém mais sabe quem são: tirá-los da história é uma arbitrariedade, incluí-los, a rota para o fracasso.
Também é preciso ter um grande nome para puxar o filme, alguém como Brad Pitt. Mas como esse rosto manjado cairá para um personagem como Aquiles?
O terceiro e maior problema a resolver é Helena. A guerra de Tróia entrou para a história como a guerra por causa de uma mulher: ela abandona Esparta e seu marido, Menelau, por Páris, príncipe de Tróia.
Agamenon, irmão de Menelau, deixa claro que ela é, antes de tudo, um ótimo pretexto para ele marchar sobre Tróia. Mas ninguém aceitaria que Páris pusesse Tróia em perigo por uma garota qualquer. Helena não poderia ser uma que eu acho bonita e você não. Teria que ser uma beleza objetiva, que todos reconhecem. E esse problema a produção resolveu muito bem na pessoa da alemã Diane Kruger.
O diretor Wolfgang Petersen também nos faz o favor de realizar boas seqüências de capa-e-espada, que não deixam de ser espetaculares por serem minimamente realistas -ao contrário do gosto atual, em que os personagens saem voando etc. É verdade que os efeitos computadorizados correm soltos, criando Exércitos monotonamente intermináveis, por exemplo: já que as imagens são reproduzidas, não há necessidade de usar muitos figurantes, com todos os problemas representados por eles. Mas algo de tremendamente artificial se intromete na imagem (que perde qualidade).
Não se pode ter tudo. "Tróia" está na tradição do "digest": diante de um original inimitável, o que importa não é a parcela da obra de Homero que foi prostituída para que daí saísse um filme. Importa é o que o filme traz, retirando-a do convívio exclusivo dos freqüentadores de biblioteca e, de certo modo, democratizando-a.
Por fim: Petersen optou por fazer um filme antibélico. Deu sorte: é bem agora, em que a guerra no Iraque anda em baixa, que a Warner decidiu lançá-lo. Pelo sim, pelo não, na sessão para imprensa os suspeitos convivas foram submetidos a um detector de metais. No fim, na platéia, todos sobreviveram. Na tela, nem tanto.


Tróia
Troy
   
Direção: Wolfgang Petersen
Produção: EUA, 2004
Com: Brad Pitt, Orlando Bloom
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Butantã, Center Norte, Eldorado e circuito



Texto Anterior: Time de roteiristas comete "crimes" homéricos
Próximo Texto: Erika Palomino
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.