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MÚSICA
Em "Trampin'", cantora volta a gravar após um hiato de quatro anos
Em novo disco, Patti Smith contraria "cultura racional"
SVETI SLAVIK
DA INTERNATIONAL FEATURE AGENCY'
Alguns dias antes de um show
de Patti Smith em Londres, uma
cópia de seu novo álbum, "Trampin", é alvo da curiosidade voraz
deste jornalista que vos fala. O ouvinte é enriquecido com um disco
excelente composto de dez originais e um cover (a faixa-título é
um standard popularizado pela
contralto americana Marian Anderson), mas duas canções se erguem muito acima de tudo, como
as pernas do Colosso de Rodes em
relação às construções comuns.
"Ghandi" é um poema tonal
que conduz o ouvinte numa viagem total até extremos líricos e
sônicos. "Radio Baghdad" é uma
condenação implacável do "débâcle" no Iraque.
Durante sua carreira de poeta
que virou a "madrinha do punk",
Smith já explorou diversos gêneros musicais, e seus shows abrangem todos eles, desde uma leitura
de poemas até uma melodia em
estilo gospel, desde faixas minimalistas até outras de som capaz
de silenciar o rock mais brando de
grupos como Nickelback.
Patti Smith começou como jornalista, passou a fazer poesia, voltou-se ao rock e virou a voz fundadora do cenário punk rock de
Nova York no início dos anos 70.
Durante a segunda metade dessa
década, ela lançou quatro álbuns,
até mergulhar na felicidade doméstica com Fred "Sonic" Smith,
ex-guitarrista do legendário MC5.
Após a morte de seu marido, em
1990, vimos uma explosão renovada de Patti na segunda metade
da década. Seu álbum anterior foi
"Gung Ho", de 2000, o último que
lançou pela Arista, selo com o
qual trabalhou por muito tempo.
"Não quiseram renovar meu contrato", ela revela, pragmática. "Tive que seguir adiante."
Patti Smith realmente lembra
uma versão feminina de Keith Richards, e sua reputação é semelhante à dele -a de alguém que
não tolera bobagens. Só que, sendo mulher, é mais fácil perdoá-la.
Cada resposta sua se transforma
num monólogo que a conduz para muito longe do tópico original.
Ela raramente perde o fio condutor de seu pensamento, mas,
quando isso acontece com tanta
paixão quanto agora, é compreensível.
"Temos muitas questões que
nos preocupam, relacionadas à
nossa vida, ao mundo. Eu realmente me senti rejuvenescida antes de "Trampin". Acho que ele
contém muita energia nova, muita raiva, muito sentimento instigante e até mesmo uma melancolia nova. É uma música forte e honesta, e tenho muito orgulho do
que fizemos neste álbum."
Que o álbum é apaixonado, disso não há dúvida, e isso vai contra
a tendência mais ampla de nossa
época, não é mesmo? Contra a visão racionalizada da vida, dos
acontecimentos e de tudo?
"Há duas coisas que nunca devemos deixar acontecer: primeiro, não devemos racionalizar nossos sentimentos. Segundo, não
devemos nos deixar entorpecer.
Não podemos nos deixar saturar,
assistindo a imagens do Iraque
que acabam se parecendo com
um programa de TV: essas são
pessoas reais, são crianças de verdade que estão sendo mortas,
suas vidas estão sendo destruídas,
seu ambiente, sendo devastado.
São os fatos reais, as pessoas reais,
a tragédia real de nosso tempo."
A verdade é que o tema do novo
álbum não fará seus conterrâneos
gostarem mais dela. No entanto,
Patti Smith nunca tentou ser qualquer coisa senão verdadeira com
relação a ela mesma, a sua poesia
e sua expressão artística.
"Os artistas sempre foram perseguidos", diz ela com um sorriso
triste, dando de ombros. ""Não é
novidade. Isso é algo que acontece
há muito tempo. Lembro-me de
de uma época em que você era
castigado pelo governo, as rádios
ou a mídia, e isso era visto como
emblema de honra. A gente adorava -significava que estávamos
fazendo alguma coisa que incomodava o establishment."
Em outro momento, a cantora
volta a citar essa época: "Fala-se
muito que os artistas dos anos
1960 e 1970 não conseguiram fazer as pessoas carregar alguma
coisa desse período com elas. Mas
é preciso olhar para as pessoas
que têm ambições políticas. Sua
carreira é importante, e para ser
eleito é preciso reduzir seus padrões para o mais baixo dos denominadores comuns. Essas pessoas estão mais preocupadas com
o que ocorre no processo político
do que com o efeito que isso tem
sobre os países e as pessoas".
Tradução Clara Allain
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