São Paulo, sábado, 14 de maio de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

COLEÇÃO

É relançada obra do escritor, cujo centenário se comemora em 2006

Reedições trazem a poesia completa de Mario Quintana

Divulgação
Mario Quintana (1906-1994), em foto de 1983


HEITOR FERRAZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A obra de Mario Quintana se prepara para a grande festa do centenário do nascimento do poeta, que será comemorada no ano que vem (ele nasceu em Alegrete, no Rio Grande do Sul, em 30 de julho de 1906). Toda a sua poesia começa a ser reeditada pela Editora Globo, no mesmo formato da obra de Hilda Hilst, ou seja, com apresentação, cronologia do autor e bibliografia. A organização é de Tania Franco Carvalhal, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ela é responsável por outra boa notícia: a edição da poesia completa do poeta, até o final deste ano, pela Aguilar, em papel bíblia.
Os seus três primeiros livros -"A Rua dos Cataventos", "Canções" e "Sapato Florido"- já estão nas livrarias. É o primeiro passo para a reavaliação de sua obra. "Meu grande desafio foi reordenar as publicações recuperando a identidade de cada livro, principalmente dos cinco primeiros títulos, esgotados há muito tempo", conta Tania.
Quintana publicou "A Rua dos Cataventos" em 1940. Era um livro de sonetos, com um certo gosto pelos queixumes românticos, pelo lirismo do homem, só que o autor observa a sua rua e o cotidiano que o cerca. Não era fácil, naquele momento, surgir com um livro com 35 sonetos -o modernismo já havia passado por sua fase mais combativa, o verso livre era uma conquista e os peso-pesados da poesia brasileira, como Oswald e Mário de Andrade, Carlos Drummond e Manuel Bandeira, estavam engajados numa literatura de maior preocupação social (é o momento do "projeto ideológico", como dizia o crítico João Luiz Lafetá).
Quintana chegava com luares e "quintanares", como ele mesmo escrevia. Na Europa, por exemplo, a guerra já comia solta. Mas ele apresentava, por oposição, um mundo harmônico e onírico entre o quarto e a rua -uma única rua com sua gente e seus costumes. Ele chegou mesmo a escrever, num soneto: "Eu não entendo da questão social./ Eu faço parte dela, simplesmente...". E ainda: "Enquanto o mundo em torno se esbarronda,/ Vivo regendo estranhas contradanças/ No meu vago País de Trebizonda".
Esta característica perpassa boa parte de sua poesia -Quintana sempre dá um jeito de harmonizar as coisas, e isso talvez tenha sido o motivo da popularidade que ele acabou alcançando mais para o final da vida, nos anos 80. Um espaço que, hoje, parece ser ocupado pelo matogrossense Manoel de Barros, com suas metáforas enfeitiçadas -mas sem o sarcasmo do gaúcho.
"Quintana está mais preocupado com a poesia, com a sua construção, com seus temas, como o apreço pelo cotidiano, pela passagem do real para o surreal", conta Tania. "Ele se ocupa do homem, da condição humana e de seu cotidiano." E foi dessa harmonização que ele tirou força para os poemas de "Canções" (como o belo "Canção do Bar") e a ironia poética dos poemas em prosa de "Sapato Florido".

Heitor Ferraz é jornalista e autor de "Coisas Imediatas" (7 Letras).


Texto Anterior: Mondo Cannes
Próximo Texto: Poesia/"Para não dizer adeus": Obra de Lya Luft não causa danos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.