São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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MÔNICA BERGAMO

Nem sempre parece, mas com mãe o fim da história em geral é feliz

Mamãe é o máximo

E eis que o filho está lá, no coração da Europa, internado num hospital e sedado. Quem chega do nada para tirá-lo do martírio? A mãe, é claro.

E eis que a filha decide se separar. Quem está lá para tentar impedir e dificultar tudo? A mãe, também é claro.
Cinqüenta personalidades, como Sonia Braga, Paulo Maluf, Fernanda Young e Cleide Yáconis, contaram à jornalista Cristina Ramalho o que "Aprendi com Minha Mãe", livro que ela fez com a colaboração de Ruth Barros e que lançará neste semestre. Abaixo, o resumo de alguns depoimentos com histórias de dificuldades e incompreensões, encontros, desencontros, amor e reconciliação:

EDUARDO & FILOMENA

Arquivo Pessoal


Minha mãe vai chegar
"Estou numa cama de um hospital público de Zurique, aonde vim parar sedado por uma injeção que uma médica simpática, de olhos azuis, me aplicou lá no aeroporto. Não sei bem o que pensar, mas tenho certeza que minha mãe vai chegar."
 

O episódio, célebre na vida do senador Eduardo Suplicy, é contado por ele para ilustrar o papel da mãe em sua formação. Era o ano de 1962 e Suplicy, aos 21, decide excursionar por países socialistas. Viaja por Hungria, Áustria, Tchecoslováquia, Ucrânia, Rússia, Polônia, estudando cinema, teatro, "descobrindo coisas". Na Bulgária, passa sete dias sem dormir. Conversa com as pessoas em trens, nas ruas, se comunica por mímica. Cantarola para elas. "Procurava transmitir minhas sensações com as músicas da peça "Orfeu da Conceição", que assistira recentemente. Começava com "Tristeza não tem fim", que era o atual estágio das coisas no Brasil, para terminar com "Manhã, tão bonita manhã", que seria o sonho realizado."
 

"Vou voltar para o Brasil e dizer ao pessoal é que é possível construir o socialismo", pensa. Dá todas as suas coisas. Chega em Zurique praticamente só com os documentos. Toma vinho com um barbudo parecido com Marx. "O meu despojamento das minhas coisas, o partilhar do vinho com o homem, tudo me fazia sentir numa cerimônia religiosa. Dirigi-me ao banheiro e dentro de um dos reservados tirei toda a minha roupa e fiz uma longa oração...". É descoberto.Bate em seguranças. Resultado: é preso e internado.
 

"Três dias depois do incidente no aeroporto, Filomena Matarazzo Suplicy, minha mãe, chegaria. Em uma situação extremada como aquela, me tratou com tanto carinho e compreensão que me ajudou a compreender melhor a problemática dos seres humanos." Por causa da mãe, afirma ele, "toda a minha história tem sido assim também, de procurar ouvir os outros". Filomena, diz, o ensinou a ter "compaixão pela natureza humana dos problemas".

PAULO & HELENA

Um pequeno em sua cama
Dom Paulo Evaristo Arns foi criado em Forquilhinha (SC), com o pai, a mãe -e 19 irmãos. Seis eram adotados, "que vieram através da Otília, minha irmã. Ela era professora universitária, não queria se casar e também não queria permanecer sozinha, por isso foi adotando essas crianças órfãs, inclusive um descendente de índios". Como Otília trabalhava, quem cuidava de todos era mesmo a mãe, Helena. "Na noite em que ela [Helena] morreu ainda havia um dos pequenos em sua cama".
Dom Paulo lembra que Helena era religiosa e "adorava dançar, tocava violino e gaita de boca. Era excelente cozinheira, sabia arrumar a comida, a casa e alegrar a família". Com ela os filhos aprenderam a "ser honestos, fiéis". Todos foram para a universidade.
 

A herança maior, diz dom Paulo, "foi a de ser alegre, aceitar as coisas que acontecem com esperança, tanto que, como bispo, adotei como escudo, ou seja, como lema, "De Esperança em Esperança'".

COSTANZA & GABRIELA

Eu a vejo mais humana
A empresária Costanza Pas colato começa seu depoimento sobre a mãe, Gabriela, descrevendo três cenas: na primeira, "mamãe está deitada num sofá, metida num robe de seda pura com borboletas aplicadas, quase uma diva de cinema." Então com 11 anos, Costanza comunica à mãe que está sangrando. "É assim mesmo, coisas da vida", diz Gabriela. A filha reage: "Só queria brincar". E chora. A mãe não responde. Fica mexendo nas borboletas. Na segunda cena, Gabriela, casada com um italiano ministro de Mussolini, foge da Itália na 2ª Guerra e vai para um campo de refugiados com a filha. O marido se escondia na Suíça com o irmão de Costanza, um bebê. "Ela não se abalou: ia conversando com cada um, tentando arranjar um jeito de nos tirar dali. Conseguiu unir todos nós sãos e salvos e ainda nos embarcar num navio para a América do Sul." Cena três: Gabriela, agora no Brasil, vê sua tecelagem incendiada e o negócio, quebrado. "Não disse um "a", voltou a trabalhar e montou tudo de novo."
 

"Forte, corajosa, inteligente, determinada. E também distante, seca, de valores absurdamente tradicionalistas. Preocupada demais com as aparências. Dura demais consigo mesma e comigo", diz Costanza sobre a mãe. São vários os momentos duros relatados pela empresária. Como o seu nascimento: "Mamãe não quis me ver durante uma semana (...) E ali, naquele momento, nascia também a hostilidade dela comigo". A mãe foi contra o primeiro casamento de Costanza, e depois contra o segundo. "Ela me deserdou e botou todo mundo contra mim."
 

"Nos últimos quatro anos, porém, tenho aprendido a lidar melhor com isso, e a compreendê-la, a ter compaixão real por ela. Entendo a fragilidade dela, os momentos em que se sentiu acuada e me atacou, eu a vejo mais humana." Diz Costanza: "Tudo o que sou devo a ela. Até o que não sou e nem quero ser jamais."

MARIA ADELAIDE & MARIA

Ela doce, eu áspera
"Ela me identificava demais com o meu pai, com quem teve uma história dolorosa, complicadíssima, e por conta disso me criticava. Raramente tomava o meu partido e, em princípio, eu sempre estava errada. Minha mãe e eu sempre fomos totalmente diferentes uma da outra. Ela sempre se calando e eu botando a boca no trombone. Ela muito doce e eu, muito áspera."
 

A escritora Maria Adelaide Amaral se reconciliou com a mãe, Maria, quando decidiu se separar do marido. Demorou seis meses para contar a novidade. "Ela passou a vida suportando por anos um casamento que não lhe agradava, porque acreditava nos votos do matrimônio." Um dia, enfim, Maria Adelaide contou tudo à mãe. "Pois fazes muito bem, minha filha", foi a resposta. "Daí em diante, ficamos amigas como nunca fomos." No depoimento ao livro, Maria Adelaide diz que hoje percebe que a mãe, tão diferente dela, "tinha outras qualidades, mais raras e preciosas: uma paciência extraordinária, uma resignação absurda, uma bondade inacreditável. Aprendi com ela a importância dessa doçura (...) E essa foi a maior lição que minha mãe me ensinou: a da misericórdia e do perdão. Minha mãe não alimentava ressentimentos. Não se queixava da sua sina. Não olhava para trás."

LUANA & FRANCES

Ela dentro de mim
Luana Piovani tinha 15 anos e morava sozinha no Japão, onde era modelo, quando se perdeu em Osaka. Ela tinha saído de casa para telefonar para a mãe, Frances, de um orelhão. Desesperada, começou a chorar. "Ela [Frances] me mandou respirar, disse que Deus estava comigo, falou para eu olhar ao redor para pedir ajuda e disse que me amava. Nisso o cartão telefônico acabou. Tudo aconteceu exatinho como ela tinha dito."
Luana se acalmou, pediu ajuda e chegou em casa. "Minha mãe não estava comigo, mas dentro de mim. Eu levava os valores que ela tinha me passado, já fui pronta para o mundo." A atriz diz que a mãe é "uma batalhadora nata, lutadora mesmo e tem uma alegria de viver, um otimismo nato que parece a Poliana, está sempre com um sorriso enorme na cara. Duas qualidades que admiro tanto e acho que ficaram em mim também".


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