São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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ARQUITETURA

Desenhados pelo arquiteto, prédios das décadas de 50 a 70 ganham grades e garagens que não constavam da idéia inicial

Projetos de Mendes da Rocha são adaptados

Tuca Vieira/Folha Imagem
Conjunto Zezinho Magalhães Prado, cuja integração entre os espaços é um dos trunfos; adaptações incluem a pintura do concreto e o estacionamento no piso térreo


MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Logo depois de ter ganho o Prêmio Pritzker, a maior distinção entre arquitetos em âmbito mundial, Paulo Mendes da Rocha, 77, citou em seu discurso no IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) três idéias básicas de sua obra: "resistência", "cidade humana" e "casa aberta".
A Folha visitou quatro projetos de Mendes da Rocha, realizados entre as décadas de 50 e 80, e constatou que tais conceitos estão claros nesses prédios. São projetos menos conhecidos do arquiteto, mas nem por isso de menor relevância na sua trajetória.
Três deles, no entanto, tiveram alterações consideráveis: o ginásio do clube Paulistano (1958), no Jardim América, em SP; o conjunto Cecap Zezinho Magalhães Prado (1967), em Guarulhos; e a Escola Municipal Aluísio de Azevedo (1972), em São Bernardo. O edifício Jaraguá (1984), no bairro paulistano da Pompéia, não sofreu mudanças significativas.
A maior parte das alterações foi feita por motivos de segurança e conveniência. Assim, grades cortam os planos livres (nos três projetos citados), garagens substituem espaços de lazer (em Guarulhos), materiais são trocados em razão dos custos altos de manutenção (em São Bernardo). "Estamos cultivando o medo, que é a matriz do fascismo", comenta Mendes da Rocha sobre as intervenções. Já projetos mais conhecidos, como a Pinacoteca do Estado, o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) e o pórtico da praça do Patriarca, não passaram por alterações relevantes.

Mudanças inevitáveis
Colaborador de Mendes da Rocha no projeto do MuBE, o arquiteto José Armênio Brito Cruz, do escritório Piratininga, acompanhou a reportagem em Guarulhos e na Pompéia. "Admiro nos projetos do Paulo a generosidade, a democracia, o modo como os prédios se integram aos espaços."
Cruz acredita que as alterações no conjunto habitacional em Guarulhos eram inevitáveis: "A preocupação com segurança é mais forte que a idéia inicial do arquiteto". Entre as mudanças mais visíveis, estão a colocação de grades no entornos dos condomínios, a transformação dos andares térreos em garagens e áreas que foram pintadas onde antes existia o concreto bruto (uma das características do estilo de Paulo Mendes e de outros arquitetos considerados brutalistas, como Vilanova Artigas).
"Apesar das mudanças, a obra de Guarulhos guarda suas principais características. O padrão de ocupação de prédios chamados "populares" é completamente diverso do atual. Existe uma dignidade visível no morar", avalia Cruz. "Os jardins internos arejam o espaço entre os prédios. Existe iluminação adequada e recursos como as escadas conjuntas racionalizam a construção."
O projeto -datado de 1967 e assinado por Mendes da Rocha, Artigas (1915-1985) e Fábio Penteado, com outros cinco colaboradores- era destinado a classes populares, mas atualmente é ocupado pela classe média e disputado no mercado imobiliário da região. "A procura é grande. Em média, um apartamento fica só uma semana à disposição", diz Marcos Nogueira, proprietário de uma imobiliária na região, conhecida como Parque Cecap.
Mendes da Rocha lembra que Artigas e equipe tomaram uma decisão "política" ao ressaltar a integração entre os espaços. "Não se trata de fazer a casa de uma forma isolada, mas como um lugar e um endereço na cidade."
O arquiteto lamenta que não tenha sido construída a outra parte do bairro, do outro lado da via Dutra, e que a circulação não tenha se utilizado da linha férrea próxima ao local. "É uma cidadela, onde a via Dutra se transforma em eixo de transporte, que serviria para ligar os trabalhadores a São Paulo e São José, por exemplo. A praça central não foi feita."

Arquitetura e geografia
O edifício Jaraguá, construído em uma encosta na Pompéia, consegue tirar partido da topografia e oferece bela visão dos principais rios da cidade, o Tietê e o Pinheiros.
"Arquitetura e geografia estão associadas nessa bela paisagem. Ver as duas várzeas, que servem de âncoras da cidade, é uma lição. A beleza arquitetônica de São Paulo também vem da sabedoria da escolha do sítio onde foi instalada", diz Mendes da Rocha.
Cruz ressalta que "a calçada térrea do prédio se mistura à da rua, sem a presença de grades ou barreiras, tão típica de projetos para classes mais ricas".
O primeiro projeto de Mendes da Rocha implementado foi o ginásio do clube Paulistano. Datado de 1958 e feito com a colaboração de João Eduardo de Gennaro, foi premiado em concurso nacional.
Hoje, o local esconde suas estruturas de concreto, apesar de ainda ostentar a beleza da cobertura metálica sustentada por cabos de aço. Grades de quadras invadem seu perímetro e salas administrativas fecharam espaços anteriormente livres.


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