São Paulo, quinta, 14 de maio de 1998

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Batatinha


Álbum póstumo com participações de Maria Bethânia, Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil tenta nacionalizar nome do sambista baiano morto no início de 97


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio de Janeiro

"Diplomacia - Antologia de um Sambista", álbum póstumo do baiano Oscar da Penha (1924-1997) -o Batatinha-, chega ao mercado agora, mais de dois anos depois de ter sido iniciado pelo próprio artista.
Torna-se, segundo seus produtores, os também baianos J. Velloso, 37, e Paquito, 34, uma tentativa a mais de tornar nacional o nome do sambista, quase sempre restrito à própria Bahia.
Não era para ser assim. Batatinha morreu de câncer pouco depois de ter terminado de gravar as 12 faixas que canta em "Diplomacia" -outras cinco faixas são interpretadas por Maria Bethânia, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Jussara Silveira.
Em seu início, o projeto pretendia restabelecer justiça à importância de Batatinha e se contrapor à enxurrada de música comercial a que a Bahia assiste com a axé music. Batatinha não esperou para empreender a batalha.
É a estréia na produção dos compositores e parceiros Paquito e J. Velloso. "Fomos produzir porque não surgiu ninguém disposto a fazer isso. Começamos como fãs, sabendo da importância dele, procurando realçar suas melodias e suas letras", diz Velloso, sobrinho de Caetano e Bethânia.
Tem sido a cantora, nos últimos 30 anos, a maior divulgadora nacional do "samba em tom menor" produzido por Batatinha -em seu primeiro LP, "Maria Bethânia" (65), já o gravava.
Compondo predominantemente sambas carnavalescos, Batatinha costumava perder todos os concursos em que entrava -os juízes consideravam suas canções tristes demais para o Carnaval.
"Se existe "samba da Bahia', é esse, o do Batatinha. Baiano é assim. Sou mangueirense doente, mas não sei sambar. Baiano samba de costas. No Batatinha, sempre senti aquela tristeza. Ouvia Billie Holiday e Batatinha, achava tudo igual", define Bethânia.
A cantora fala de sua convivência com o sambista: "Eu era muito amiga dele, a gente conversava, saía junto. Era muito engraçado, muito alegre, gozador, brincalhão. A tristeza estava na composição". "Toda dor ele transferia para a música", completa Velloso.
Bethânia credita ao próprio Batatinha o fato de não ter se feito célebre Brasil afora, mesmo se filiando à linhagem de compositores a que pertencem os cariocas e bem mais conhecidos Cartola e Nelson Cavaquinho.
"Era bem o estilo dele, não queria sair da Bahia. Ele era pouco ambicioso demais. Mas era uma estratégia que ele fez, ele gostava do mal-acabado. Essa é a diferença dele para as novas gerações da música baiana: esses novos querem conquistar o Brasil e o mundo. Ele estava lá, não queria sair, não estava preocupado."
A cantora não se esquiva de, indiretamente, reconhecer quebra de tradição no transcurso entre o samba de Batatinha e o atual samba baiano -o axé. Assim responde à pergunta: "Sua música é intuitiva, inspirada, muito diferente da música baiana atual, que tem essa proposta de acontecer. A dele é muito, muito mais refinada".
J. Velloso explica o processo de confecção do CD, no início sob o desígnio de Batatinha: "Ele não tinha qualquer controle sobre sua obra, não registrava nada, só na memória. Fomos pedindo para ele lembrar as canções com um gravadorzinho, em casa. Acabamos gravando mais de 70 músicas".
O fato de apenas umas poucas de suas canções -"Hora da Razão", "O Circo", "Toalha da Saudade", "Imitação", "Diplomacia"- serem esporadicamente regravadas indica que a grande maioria dessas 70 músicas é totalmente inédita.
Não há expectativa, entretanto, de que venham à tona na voz de Batatinha. "As fitas não têm condições de lançamento, algumas eram velhas, usadas", afirma Paquito. "Mas um dos filhos dele tem um show gravado em São Paulo e quer aproveitá-lo", emenda Velloso.
Com sua obra anterior fora de catálogo, por enquanto só "Diplomacia" recoloca no mercado um pouco da arte de Batatinha.


O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a convite da gravadora EMI.


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