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CINEMA - "OUTRAS HISTÓRIAS"
"Adaptei o cinema a Guimarães Rosa", diz Bial
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
"Não adaptei Guimarães Rosa ao
cinema. Adaptei o cinema a Guimarães Rosa." Assim o cineasta e
jornalista Pedro Bial, 41, define seu
longa-metragem de estréia, "Outras Estórias", que entra hoje em
cartaz.
O filme entrelaça cinco contos do
livro "Primeiras Estórias", do autor mineiro: "Os Irmãos Dagobé",
"Famigerado", "Nada e a Nossa
Condição", "Substância" e "Sorôco, Sua Mãe, Sua Filha". Custou R$
2 milhões e foi filmado na região
de Montes Claros, no norte de Minas.
Consciente de sua condição de
estreante, Bial cercou-se de uma
equipe experiente: José Guerra fez
a direção de fotografia, Alcione
Araujo colaborou na adaptação
das histórias e o ator Cacá Carvalho fez a direção de atores.
O jornalista, que tinha em seu
currículo um curta universitário e
um documentário sobre Guimarães Rosa para a TV, quer continuar fazendo cinema. Entre seus
próximos projetos está uma adaptação do romance "A Lua Vem da
Ásia", de Campos de Carvalho.
Leia trechos de sua entrevista.
Folha - Por que esses cinco contos do livro, e não outros?
Pedro Bial - Porque eles me permitiam exercitar vários gêneros,
linguagens, vocabulários de cinema: desde o bangue-bangue até
uma história de amor, até um
"musical", como seria o "Sorôco".
Além disso, eu quis pegar as histórias com temas universais. Uma
tratava da morte, outra do medo
da morte, outra da sede de justiça,
outra de amor, outra de loucura...
Na verdade, o tema da loucura permeia todo o resto.
Folha - Você já tinha desde o início a "cara" do filme na cabeça ou
mudou muita coisa no processo?
Bial - O filme saiu surpreendentemente parecido com o que eu
imaginei. Como idéia de luz, trabalhamos desde o começo o Degas
como referência, aqueles pastéis,
aquelas cores. Claro que, transpondo para o cinema, tudo ganha
mais nitidez.
Outra concepção inicial que se
manteve foi a de não coloquializar,
não trazer para o dia-a-dia, não
tornar ordinárias aquelas histórias
extraordinárias. Manter aquela
barroquice, aquele tom operístico.
Desde o início, também, pensei
num filme feito de planos gerais e
de detalhes, de cenas muito claras
e outras muito escuras.
Folha - A interpretação do Cacá
Carvalho, que faz o Damastor Dagobé, é a mais antinaturalista, a
mais teatral de todas. É uma espécie de demônio, o mal personificado. Isso foi proposta sua?
Bial - Sim. Eu achava que ele tinha que ser endemoniado. Eu buscava muito o "Iauaretê" que ele fez
no teatro. Ele virava uma onça no
palco, era um negócio fantástico.
Ele não queria repetir aquilo, mas
eu tentava puxar isso dele. É um
personagem que está sempre emitindo ruídos, parece um bicho.
Estava na cara que ele estava
"overacting", mas eu disse: "É isso
mesmo. Esse cara é um possuído
pelo demônio. Vai ficar assim
mesmo". Posso até ter errado.
Folha - Você pensou em mimetizar na linguagem visual o virtuosismo literário do Rosa?
Bial - Houve isso, claro. No próprio plano dos créditos iniciais isso
está meio dito. Você começa na
imagem daquele livrinho, aí a câmera vai subindo, de repente você
vê aquele sertão enorme, os cavaleiros se aproximando lá longe.
Houve, sim, a tentativa de ser barroco também na imagem.
Mas a gente não queria fazer gracinha, nem pirotecnia. Houve um
cuidado com cada cor, cada enquadramento, cada angulação.
Nada está no filme por acaso. Está
ali porque quer dizer alguma coisa,
cumpre uma função semântica. A
gente fez "storyboard" do filme todo, a direção de arte se preocupou
com cada detalhe.
Folha - Algumas cenas em que
aparecem não-atores têm um tom
quase documental. Por exemplo,
os trabalhadores que recebem as
terras do Tio Man'Antonio...
Bial - Ali é tudo não-ator. Aqueles planos são chupados do "Olimpíadas" (1938), da Leni Riefenstahl, que é aquela coisa triunfalista,
de filmar os atletas de baixo para
cima, como semideuses. Queríamos fazer um documento "riefenstahliano".
Como aquela era uma história de
reforma agrária, que é uma questão de extremos no Brasil, eu quis
pegar uma estética de extremos
para contá-la.
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