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CRÍTICA
Personagens vivem entre o real e a alucinação
da Equipe de Articulistas
Guimarães Rosa, inventor de
uma prosa pessoal e sofisticada ao
extremo, é frequentemente qualificado como um autor infilmável.
Até o grande Nelson Pereira dos
Santos quebrou a cara adaptando,
em "A Terceira Margem do Rio"
cinco contos do mesmo "Primeiras Estórias" em que Pedro Bial foi
buscar a matéria-prima para seu
longa de estréia.
Bial evitou a imprudência, cometida por Nelson, de modificar as
histórias originais para integrá-las
numa narrativa contínua. Como
ele próprio define, "Outras Estórias" é "um filme de episódios disfarçado".
Em compensação, Bial cometeu
uma ousadia maior: manteve intacto o barroquismo do texto, em
vez de torná-lo coloquial, e portanto mais moldável à dicção dos atores e aos ouvidos do público de hoje. Não só isso. Os próprios personagens narram a história em cena,
ampliando o estranhamento do
texto e da encenação.
Essa aposta radical talvez seja a
única que vale a pena. De que serviria reduzir o universo do escritor
aos entrechos de seus contos?
O que Bial tenta fazer, portanto, é
colocar o cinema a serviço da escrita rosiana, desdobrando-a em
outro meio de expressão. O resultado é um filme de muitos altos e
alguns baixos.
As duas primeiras "estórias"
-"Os Irmãos Dagobé" e "Famigerado"- estão bem entrelaçadas
em torno do personagem do jagunço embrutecido e cruel (Cacá
Carvalho), confrontado com um
outro poder, o poder da palavra.
"Substância", a história de amor
entre um proprietário de terras
(Enrique Diaz) e uma trabalhadora (Giulia Gam) que amassa polvilho de mandioca em sua fazenda
tem delicadeza e sensualidade raras no cinema recente.
"Sorôco, Sua Mãe, Sua Filha"
-história de duas mulheres levadas para o hospício- explicita o
tom de alucinação que unifica os
vários episódios.
O caso de "Nada e a Nossa Condição" é mais problemático. É um
conto metafísico, dos mais difíceis
da obra de Rosa, e no filme ele fica
mais confuso que misterioso, apesar da soberba atuação de Paulo
José no papel de Tio ManÁntonio,
o proprietário que distribui suas
terras aos empregados. Talvez haja
palavras demais na adaptação.
Mas o que há de mais animador
em "Outras Estórias" é a sensibilidade com que Bial e sua equipe
conseguiram construir um universo autônomo, que tem um pé no
sertão real e outro no imaginário.
Um mundo marcado pelos tons
marrons da terra e do couro, mas
que aponta para outra dimensão,
simbolizada talvez pelo branco
resplandecente de "Substância".
Como o protagonista desse episódio, que hesita entre o desejo e o
medo, os personagens de "Outras
Estórias" tentam libertar-se do
contingente e abraçar o absoluto.
(JGC)
Avaliação:
Filme: Outras Estórias
Produção: Brasil, 1999
Direção: Pedro Bial
Com: Cacá Carvalho, Paulo José
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco 1 e SP Market 2
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