São Paulo, Sexta-feira, 14 de Maio de 1999
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CRÍTICA
Personagens vivem entre o real e a alucinação

da Equipe de Articulistas

Guimarães Rosa, inventor de uma prosa pessoal e sofisticada ao extremo, é frequentemente qualificado como um autor infilmável.
Até o grande Nelson Pereira dos Santos quebrou a cara adaptando, em "A Terceira Margem do Rio" cinco contos do mesmo "Primeiras Estórias" em que Pedro Bial foi buscar a matéria-prima para seu longa de estréia.
Bial evitou a imprudência, cometida por Nelson, de modificar as histórias originais para integrá-las numa narrativa contínua. Como ele próprio define, "Outras Estórias" é "um filme de episódios disfarçado".
Em compensação, Bial cometeu uma ousadia maior: manteve intacto o barroquismo do texto, em vez de torná-lo coloquial, e portanto mais moldável à dicção dos atores e aos ouvidos do público de hoje. Não só isso. Os próprios personagens narram a história em cena, ampliando o estranhamento do texto e da encenação.
Essa aposta radical talvez seja a única que vale a pena. De que serviria reduzir o universo do escritor aos entrechos de seus contos?
O que Bial tenta fazer, portanto, é colocar o cinema a serviço da escrita rosiana, desdobrando-a em outro meio de expressão. O resultado é um filme de muitos altos e alguns baixos.
As duas primeiras "estórias" -"Os Irmãos Dagobé" e "Famigerado"- estão bem entrelaçadas em torno do personagem do jagunço embrutecido e cruel (Cacá Carvalho), confrontado com um outro poder, o poder da palavra.
"Substância", a história de amor entre um proprietário de terras (Enrique Diaz) e uma trabalhadora (Giulia Gam) que amassa polvilho de mandioca em sua fazenda tem delicadeza e sensualidade raras no cinema recente.
"Sorôco, Sua Mãe, Sua Filha" -história de duas mulheres levadas para o hospício- explicita o tom de alucinação que unifica os vários episódios.
O caso de "Nada e a Nossa Condição" é mais problemático. É um conto metafísico, dos mais difíceis da obra de Rosa, e no filme ele fica mais confuso que misterioso, apesar da soberba atuação de Paulo José no papel de Tio ManÁntonio, o proprietário que distribui suas terras aos empregados. Talvez haja palavras demais na adaptação.
Mas o que há de mais animador em "Outras Estórias" é a sensibilidade com que Bial e sua equipe conseguiram construir um universo autônomo, que tem um pé no sertão real e outro no imaginário.
Um mundo marcado pelos tons marrons da terra e do couro, mas que aponta para outra dimensão, simbolizada talvez pelo branco resplandecente de "Substância".
Como o protagonista desse episódio, que hesita entre o desejo e o medo, os personagens de "Outras Estórias" tentam libertar-se do contingente e abraçar o absoluto.
(JGC)


Avaliação:


Filme: Outras Estórias Produção: Brasil, 1999 Direção: Pedro Bial Com: Cacá Carvalho, Paulo José Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 1 e SP Market 2


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