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ERIKA PALOMINO
O NOVO EXÉRCITO FASHION DO UNDERGROUND
O underground fashion em São
Paulo está de novo em ebulição. A
centelha que vem do cenário jovem mais uma vez chacoalha o
mainstream -e tudo isso à parte
da crise do varejo que corre à boca
pequena. Um punhado de novos
estilistas faz da customização seu
credo e estabelece entre si uma
comunidade criativa. Como o
movimento vindo dos clubes nos
anos 90, que renovou a combalida
cena fashion daquela hora, esses
meninos e meninas, juntos, ganham status de movimento.
Eles se frequentam, se falam, se
namoram. Trocam referências e
informações, se estimulam. Gostam de rock, indie e música eletrônica. Vão ao Ritz, Pix, festivais
e shows. Ao cinema e a muitas exposições. Acompanham fotografia e artes. São originais e globais.
Trabalham silhuetas e texturas.
Gostam de internet. São bem-humorados e, ufa, têm o que dizer
-quando não morrem de timidez, claro.
Alguns já são mais conhecidos,
como Fábia Bercsek e Emilene
Galende, que desfilam no Amni
Hot Spot (evento dedicado a jovens criadores que começa dia 25
em São Paulo). Eduardo Inagaki e
Karlla Girotto pertencem ao elenco da Casa de Criadores, celeiro
de modernidades onde olheiros
descobrem os próximos talentos
(a edição de verão acontece de 7 a
11 de julho, no estacionamento do
shopping Eldorado). É lá que vão
estrear agora Kuk Jae, ex-assistente de Alexandre Herchcovitch, e a
dupla Priscilla Darolt e Fabio Andreoni, da Redhead Loves P.
A novidade da temporada é que
esses nomes do underground
aparecem em plena Oscar Freire,
sob o teto da Ellus, marca de
jeanswear com concept-store instalada no número 990 da principal rua de comércio fashion da cidade. Inaugurado no último dia 4
de junho, o segundo andar da loja,
batizado em inglês, Second Floor,
recebe a produção desses jovens
designers num ambiente estimulante e vivo. Na vitrine, lá embaixo, as peças dos iniciantes dividem generosamente o espaço
com as roupas da Ellus em si,
atraindo a atenção de quem passa. E a atenção do cliente atualmente vale ouro.
"O varejo hoje está sem emoção", justificou o diretor de marketing, Ricardo Gonzales, no último sábado, enquanto panfletava
o convite para o coquetel da terça-feira (um DJ e um artista a cada
semana são a programação do lugar). Ao abrir espaço para os novos, a Ellus marca pontos com seu
público, chama mídia e compradores, chacoalha o esqueleto deste sofrido outono-inverno 2002.
Gonzales tem razão. Mas basta
terminar a escada branca que leva
ao segundo andar para sentir um
sopro de jovialidade e personalidade, vindo de cada parede, de cada arara de roupas dali. Ao contrário do rumo burocratizado que
tomamos ao passar os olhos pelas
prateleiras da maior parte das coleções de inverno, ali os olhos se
confundem. O que ver primeiro?
Na parede, uma instalação fotográfica do stylist Dudu Bertholini,
ícone de um estilo intencionalmente dirty, sujo. Esse numeroso
clã new-dirty inclui ainda o diretor de arte Kleber Matheus e a
drag Bianca Exótica. O trabalho
do grupo tem como principal
exercício o fanzine "2". E o novo
estilo se espalha com fitinhas,
broches e muitos acessórios.
Respinga já na São Paulo Fashion Week e nas revistas. Veja o
trabalho de Chiara Gadaletta, por
exemplo, em bons momentos nas
edições da "Vogue". Já a vendedora do Second Floor é Melissa
Veiga, casada, por sua vez, com o
estilista Julien Depeyre, ex-Reinaldo Lourenço, agora na Ellus.
Na outra ponta da sala, uma
bancada traz as jóias da bela Marina Sheetkoff, ornamentos urbanos, delicados e femininos. Rouba a cena de primeira, entretanto,
um punhado de livros toscos sobre a mesa branca, ao centro. É o
trabalho de Tomas Spicolli.
É a grande surpresa do projeto
Second Floor. De alguma maneira, quem circula pelo underground tem ouvido falar, aqui e
ali, dos outros nomes envolvidos
(Priscilla Darolt, a rigor uma estreante, fazia parte do estilo da
Ellus). Spicolli apareceu praticamente do nada, depois de um cenário para Carla Fincato e um trabalho na mostra "Bienal E(x)tra".
Argentino, 29 anos, Spicolli é
mais que um estilista: trata-se de
um artista que se expressa por diferentes mídias. Por isso se destaca. Ele é em si seu universo, coerente e caótico. A amostragem do
segundo andar contempla bem
seu espectro de atuação (ele integra uma banda de punk rock, Os
Sete Magníficos). Dependuradas,
camisetas tão criativas parecem
gritar, com a mesma linguagem
da colagem e da costura, das frases e imagens artísticas. E usáveis.
A maior prova disso é que muitas
foram efetivamente tiradas do
guarda-roupa (será que ele tem
um?) do próprio artista, lavadas e
colocadas agora à venda.
Atrás há um altarzinho, com
um monte de objetos, tranqueira.
"É como se fosse o meu quarto",
explica Tomas, com sua fala tranquila e leve. Os cadernos são uma
espécie de diário, mas, principalmente, uma maneira de reduzir a
superfície de trabalho do artista,
verdadeiro nômade urbano.
"Gosto de andar e de me mexer
bastante", diz Spicolli, por aqui
desde 98, mas que já passou por
várias cidades na Argentina, além
de Buenos Aires, e também pelo
Chile, Uruguai e por San Francisco. "Me apaixonei muito por São
Paulo. A cidade é absurda", diz o
artista, que desde criança customizava suas roupas -incluindo
o uniforme da escola. "Vejo as
coisas como um todo", diz. "E tudo resolvo com colagem: música,
moda e até culinária", revela, sobre sua oculta especialidade: sanduíches e pizzas bizarras. "Aprendi com o punk rock a me manter
sincero, onde quer que eu esteja", diz. É boa lição para a moda.
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