São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 2002

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CINEMA/ESTRÉIAS

"VIVA SÃO JOÃO"

Diretor acompanhou duas semanas de festas juninas feitas de vilarejos a grandes cidades do Nordeste

Andrucha Waddington faz inventário popular

MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO

"Viva São João" é um documentário entusiasmado sobre um tema simpático: as festas juninas. Ele mostra aspectos da música, da dança, da culinária, do vestuário e da religiosidade das festas de são João, são Pedro e santo Antônio em 19 lugares, de vilarejos a grandes cidades dos Estados de Pernambuco, Bahia, Ceará, Paraíba e Sergipe.
Como Gilberto Gil é produtor e apresentador do filme, a música é dominante. O compositor entrevista colegas músicos, explica por que Luiz Gonzaga renovou a música sertaneja e interpreta clássicos de festas juninas. Como Gil é baiano e adora uma prosa fiada, às vezes suas entrevistas viram bate-papos ao léu. A fala de Gil ziguezagueia entre a dicção poética e a mística, de modo que se sente falta de uma organização mais consistente das informações.
Ele diz que as festas juninas têm origem pagã. Diz que fogos e rojões comemoram um novo começo ou o início do tempo ou algo que o valha. São informações sumárias, sem elaboração, que não convencem. Se houvesse mais antropólogos e folcloristas falando, o documentário seria mais claro.
Mas esse não era o objetivo do diretor Andrucha Waddington. Imagens e sons foram registrados em duas semanas, durante as festas juninas do ano passado, e a maior virtude do filme está em aderir ao material filmado.
Com isso, o longa é um inventário da riqueza e da complexidade de uma festa popular. Nela, o povo abandona por alguns dias sua faina secular para comemorar a fartura, a diversidade, a proteção divina, a vivacidade. A cultura popular dá mostras de vigor.
O enfoque de Andrucha Waddington é simpático à organização popular. Como em "Eu Tu Eles", ele celebra a integração social, a criatividade que brota da situação concreta comunitária e, à sua maneira, resiste à exploração.
No melhor momento do filme, que mostra a fabricação de busca-pés, essa celebração se estende ao mundo do trabalho. Com montagem (de Quito Ribeiro) e edição de som (de Miriam Biderman) prodigiosas, o ritmo artesanal da fabricação de busca-pés se transforma em música -que antecipa o deslumbre e o risco da batalha de fogos em praça pública.
Waddington é simpático, mas não é ingênuo. Embora a festa popular seja mostrada como libertação, ele também capta os imensos cartazes de propaganda, os palcos enormes, a cara parafernália eletrônica que sustenta as festas.
O capital não está à espreita. Ele já está mercantilizando muitas festas juninas. Nada que se assemelhe ao que ocorreu com o Carnaval carioca. "Viva São João" registra a tensão entre comercialismo e festa popular. E deixa claro que, por enquanto, a festa e a cultura vêm levando a melhor.


Viva São João    
Direção: Andrucha Waddington
Produção: Brasil, 2001
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca Unibanco Arteplex e Interlar Aricanduva



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