São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 2002

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"NETTO PERDE SUA ALMA"

Roteiro confunde em épico gaúcho

DA SUCURSAL DO RIO

"Netto Perde Sua Alma" custou mais de R$ 3 milhões, levou dois anos para ficar pronto, foi filmado no Brasil e no Uruguai e tem cenas de batalhas que reuniram 800 figurantes. É um filme de apuro técnico e nobreza de intenções.
É também um filme de dois estreantes em longa-metragem, Beto Souza e Tabajara Ruas. Eles aproveitam cada mísero plano, mesmo os mais corriqueiros, para mostrar que sabem iluminar e filmar. E tome sanfonas grandiloquentes, pampas às pampas, bombachas engalanadas, enxurradas de chimarrões.
Cada fiapo de diálogo busca transmitir, na segunda pessoa do singular, os Desígnios Insondáveis do Destino. O elenco está à altura dessa solenidade maiúscula. Cada mínimo esgar de cada ator, dos protagonistas ao mais mínimo figurante, não se dirige à câmera ou ao público. Eles atuam com os olhos fixos na História, também com maiúscula.
História gaúcha, tchê. "Netto Perde Sua Alma", baseado no romance do mesmo nome de Tabajara Ruas, conta as aventuras e desventuras do general Antônio de Souza Netto (Werner Schünemann), herói da Guerra dos Farrapos (1835-1845), movimento separatista antiimperial, proclamador da República Rio-Grandense (1836) e combatente da Guerra do Paraguai (1861-1866).
O filme foi trombeteado na imprensa gaúcha como o maior épico nacional de todos os tempos. Seus diretores foram comparados ao italiano Sergio Leone, ao sueco Ingmar Bergman e a cineastas japoneses.
Descontado o provincianismo, do qual nenhum Estado brasileiro que faz cinema está livre, a começar pelo paulista, "Netto" parece ter algo a dizer aos gaúchos. Ele talvez seja um momento de afirmação regional.
Para quem não é gaúcho, ou para quem não leu o romance de Tabajara Ruas, o filme é de difícil compreensão. Com um pouco de distração, e o filme tem um sem-número de distrações, não dá nem para entender direito quando e por que o caudilho perde a sua alma.
O enredo vai para a frente e para trás, batalhas se misturam, Netto faz uma vigorosa profissão de fé republicana e pouco depois relata seu respeitoso encontro com dom Pedro 2º, alista negros no seu batalhão e é dono de escravos.
O que era claro no romance virou uma confusão no filme, cujo roteiro é assinado por nada menos que cinco pessoas, inclusive os diretores. O que resulta se situa a meio caminho entre o enaltecimento visual do Rio Grande do Sul e a exposição marmórea de um herói.
O filme assume acriticamente a imagem que o egocêntrico Netto faz de si mesmo. As suas justificativas e a sua pomposidade ridícula se sobrepõem pesadamente, por exemplo, ao drama dos escravos que ele trai.
"Netto Perde Sua Alma" tem os elementos que, bem dosados, injetariam sangue regional numa cinematografia dominada por Rio e São Paulo. Do jeito que ficou, é uma tosca composição provinciana.
(MARIO SERGIO CONTI)


Netto Perde Sua Alma  
Direção: Tabajara Ruas e Beto Souza
Produção: Brasil, 2001
Com: Werner Schünemann, Sirmar Antunes
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Internacional Guarulhos e ABC Plaza



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