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São Paulo, sábado, 14 de junho de 2003

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"CARTAS DO BRASIL"

Edição reúne 177 correspondências do padre Antônio Vieira

Cartas registram construção do Brasil literário e político

RODRIGO PETRONIO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A primeira publicação das cartas do padre Antônio Vieira (1608-1697) data de 1735 e consiste em cerca de 200 delas dispostas em dois tomos e levadas à prensa pelo conde de Ericeria. Mal esse volume saiu do prelo, começaram a aparecer cartas novas, algumas apócrifas, redigidas por escribas, em meio a outras, ditadas por Vieira ou assinadas de próprio punho. Aos primeiros tomos veio se somar um terceiro, compilado pelo padre Francisco Antônio Monteiro em 1746.
Levando em conta cartas que foram aparecendo em espólios privados e antologias do jesuíta, o estudioso português João Lúcio de Azevedo leva a cabo, entre 1925 e 1928, a publicação do que poderíamos chamar de edição definitiva da correspondência desse autor que Fernando Pessoa definiu como o "imperador da língua portuguesa". Temos então uma edição formada por 710 cartas, dispostas em três tomos, anotada, com estudo filológico e discriminação de fontes.
Foi com base nessa edição de Azevedo que João Adolfo Hansen, professor de literatura brasileira da USP, organizou "Cartas do Brasil", seleção de 177 cartas, acrescida de um substancioso estudo introdutório, de notas, de remissões e resumo biográfico.
Os critérios de organização foram: temático, cronológico e pragmático. Temático, porque focaliza os assuntos políticos relativos aos Estados do Brasil e do Maranhão e Grão-Pará, fornecendo assim uma perspectiva geográfica definida. Cronológico, porque, recolhendo cartas do período que vai de 1626 a 1697, abrange fatos históricos da quase totalidade do século 17 e de todas as fases da vida do jesuíta. E pragmático, porque se pretende uma reconstituição do ambiente onde a troca de epístolas se deu e dos personagens citados nelas, sem o que seria impossível muitas vezes até mesmo a compreensão do conteúdo.
Desse conjunto diverso sobressaem algumas. É o caso da famosa carta "Ânua", de 1626, que relata os sucessos da invasão holandesa na Bahia. Há também a famosa carta ao padre André Fernandes, bispo do Japão, datada de 29 de abril de 1659, e conhecida como "Esperanças de Portugal". Nela Vieira desenvolve sua interpretação profética (e heterodoxa) dos versos do sapateiro Bandarra, que viveu na região de Trancoso na primeira metade do século 16, e neles lê os sucessos futuros de Portugal, motivo pelo qual foi conduzido a responder a inquérito perante a Inquisição.
Mas sua correspondência não é um registro positivo da história. É uma arte. Por meio dela, lemos o Brasil construído literariamente por sua pena ao mesmo tempo em que vemos o Brasil sendo construído politicamente por sua mão. Palavras, sementes e tintas, com as quais se pinta o motivo histórico e se implanta o Verbo.


Cartas do Brasil
    
Autor: Padre Antônio Vieira Organizador: João Adolfo Hansen Editora: Hedra, tel. 0/xx/11/3097-8304 Quanto: R$ 59 (670 págs.)



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