São Paulo, sábado, 14 de junho de 2008

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RODAPÉ LITERÁRIO

Instinto de beleza


Livro de Beppe Severgnini radiografa encantos de uma Itália que resiste à cafonice da era Silvio Berlusconi

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

"ELES VÊM nos ensinar boas maneiras, mas não conseguirão, porque somos deuses." A frase, dita pelo príncipe Fabrizio Salina no romance "O Gattopardo", de Tomasi de Lampedusa, define o modo como os sicilianos resistiram aos costumes dos invasores durante a unificação italiana. Não seria exagero dizer que essa declaração de orgulho vale para toda a Itália em relação aos outros países.
Sentido estético exacerbado, exibicionismo, auto-suficiência e uma impávida certeza de que o caos daí decorrente será compensado por encantos que não se encontram em qualquer lugar do mundo. Em outras palavras, decadência -mas com muita elegância.
Esse é um diagnóstico que qualquer turista faz, desde o momento em que enfrenta a petulante incompetência das aeromoças da Alitalia até a hora em que paga a última conta de restaurante, apresentada por um garçom cuja empáfia sugere estarmos diante de Marcello Mastroianni.

Empatia
Para uma radiografia mais minuciosa -e sumamente engraçada- desse país embevecido consigo mesmo, nada melhor porém do que "A Cabeça do Italiano - Uma Visita Guiada".
Escrito pelo jornalista Beppe Severgnini, colunista do jornal "Corriere della Sera", o livro exige alguma empatia prévia com a Itália -afinal, por que alguém se daria ao trabalho de tentar entender a cultura de um país que cabe no Estado de São Paulo?
A resposta óbvia é que essa civilização com 3.000 anos de história está no coração da Europa, sintetiza Antigüidade e cristandade e possui, de longe, o maior patrimônio cultural do planeta (como lembra Severgnini, o segundo colocado nessa estatística é a Espanha, cujos tesouros são menores que os da Toscana...).
Mas o livro é menos um roteiro para quem deseja descobrir a Itália "autêntica", que não aparece nos guias turísticos, do que uma crônica que procura desvendar as razões de um fascínio que vai bem além de belos museus e belas mulheres, paisagem mediterrânea e gastronomia.
Severgnini não poupa seus compatriotas. Mostra o ridículo da obsessão por carros e celulares, dos piores programas de TV de que se tem notícia, com suas apresentadoras seminuas, "excrescências televisivas, ex-belas mulheres indecisas entre a meditação e o lifting". Nem a cafonice da era Berlusconi, todavia, consegue cancelar o traço mais característico dos italianos: "Um senso estético que envolve ética; um formidável instinto de beleza".
Esse apego aos belos gestos, mais do que ao bom comportamento, faz de cada encontro -no trem, no restaurante, no estádio de futebol, no escritório- um pequeno ritual erótico que transforma estrangeiros e visitantes em voyeurs, desejosos de fazer parte do jogo.


A CABEÇA DO ITALIANO
Autor: Beppe Severgnini
Tradução: Sérgio Mauro
Editora: Record
Quanto: R$ 39 (272 págs.)
Avaliação: bom



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