São Paulo, Segunda-feira, 14 de Junho de 1999
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Suor e imagens de Guimarães Rosa


Autor mineiro levou 21 anos melhorando "Sagarana"; livro traduz "Grande Sertão" em ilustrações
CYNARA MENEZES
da Reportagem Local

De onde vem a inventiva de Guimarães Rosa? Uma pesquisadora da Universidade Federal da Paraíba revela a transpiração do autor em detrimento da inspiração: Rosa fazia modificações em seus textos inclusive depois de editados.
A escrita do autor mineiro (1908-1967) é dissecada ao mesmo tempo em que é lançada em livro a tradução em imagens do universo de "Grande Sertão: Veredas", sua obra máxima, sob a ótica do artista plástico, também mineiro, Arlindo Daibert (veja texto abaixo).
Segundo a pesquisadora Sônia Maria van Dijck Lima, Guimarães Rosa só esgotou a sede de mudanças em "Sagarana", seu primeiro livro publicado, 21 anos depois da criação da obra, entre maio e dezembro de 1937.
É sobre "Sagarana", livro originalmente escrito com doze contos, dos quais três foram suprimidos por Rosa para a primeira edição, que trabalha a pesquisadora.
"Não posso falar sobre os outros trabalhos, mas "Sagarana" foi modificado até a quinta edição, em 58", diz Sônia van Dijck, que pertence à Associação de Pesquisadores do Manuscrito Literário, um grupo que trabalha sobre a gênese do texto de diversos autores.
A "crítica genética", como é chamada, rastreia as modificações a partir dos manuscritos, do texto datilografado, das anotações à mão feitas pelo autor.
No caso de "Sagarana", as mudanças eram feitas por Rosa algumas vezes com rasuras, recorte e sobreposição dos textos modificados e anotações nas margens do livro em edições consecutivas.
"Foram feitos cortes e acréscimos, a maior parte deles sem mudança na estrutura narrativa. Às vezes, só fazia mudanças de pontuação, como trocar vírgulas de lugar", diz a pesquisadora.
Dos originais para a primeira edição nomes de contos também foram mudados: "Sarapalha" era "Sezão"; "São Marcos" era "Envultamento"; e "A Hora e Vez de Augusto Matraga" era " A Oportunidade de Augusto Matraga".
"Sezão" (malária) chegou a ser, no primeiro original conhecido, o nome original de "Sagarana" (neologismo de Guimarães Rosa).
Quando foi enviado, em 1937, recém-concluído, para um concurso da editora José Olympio -tirou o segundo lugar sob o pseudônimo de "Viator"-, também se chamou "Contos". O volume desapareceu.
Curiosamente, uma das fases dos originais apresentava um posfácio de Rosa afirmando que o livro estava pronto. Dizia que apesar de haver ainda "muita moita má para ser foiçada (...), melhor rende deixar quieto o mato velho, e ir plantar roça noutra grota".
Não foi assim. O próprio Rosa justificou, em entrevista concedida em 44, dois anos antes da primeira edição pela editora Universal, que quis "suprimir, em uma ou duas histórias, parágrafos (...) supérfluos para o público".
O mais incrível é que os problemas na escrita -uma palavrinha aqui, outra ali- que não escapavam ao olhar autocrítico de Rosa, mesmo com o livro já editado, parecem coisas ínfimas aos olhos do leitor (veja quadro no alto).
Para Guimarães Rosa era um flagelo: "O que me preocupa e tortura, ao rever as páginas escritas, é a angústia de evitar a chapa, o chavão, a frase feita".
E dá-lhe chulear, remendar e coser sobre a própria obra impressa até a quinta edição, já na José Olympio, quando então anuncia estar definitivamente "acabada" e "retocada" a saga de "Sagarana".


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