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DVD
Caixa ressuscita primeiros longas do cineasta, "A Morte Passou por Perto", "O Grande Golpe" e "Glória Feita de Sangue"
Anos 50 iluminam xadrez de Stanley Kubrick
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Antes de tudo o mais, Stanley
Kubrick (1928-99) ficou conhecido pela crítica brasileira como um "cineasta de 70 minutos".
O termo, criado pelo crítico Maurício Gomes Leite e encampado
por Glauber Rocha em artigo dedicado ao cineasta, na época um
ainda precoce e imberbe talento
em ascensão, referia-se à pobreza
de recursos de suas primeiras
obras, lançadas agora em DVD.
O pacote só não é mais precioso
porque "Fear and Desire" (1953),
o verdadeiro primeiro longa do
cineasta, permanece um segredo
guardado a sete chaves por sua família, um capítulo obscuro na história da meteórica ascensão do
"enfant terrible" nova-iorquino.
Menino prodígio amante de
jazz, xadrez e fotografia, Kubrick
ganhou sua primeira máquina fotográfica aos 15 anos e, dois anos
depois, já era fotógrafo da prestigiosa revista "Look".
Aos 23, começou a se aventurar
no cinema. Com recursos próprios, rodou seu primeiro curta
("Day of Fight", 1950) e lucrou de
imediato ao vendê-lo, por US$
4.000, para o estúdio RKO. Seu talento parecia mesmo destinado
ao pronto reconhecimento.
Entre 1950 e 1957, com parcos
recursos financeiros e vastas ambições, Kubrick realizou a média
de um filme por ano (entre curtas
e longas), dando a cada passo, como se comprova nas obras incluídas no pacote da Cinemagia, saltos de incríveis proporções.
A evolução de "A Morte Passou
por Perto" (1955) a "O Grande
Golpe" (56) é assustadora, e a de
"O Grande Golpe" a "Glória Feita
de Sangue" (57) não é mais do que
a revelação de um gênio.
Mais do que o Kubrick fotógrafo e diretor, é o Kubrick montador que se revela nesse processo.
Foi salvando seu "A Morte Passou
por Perto" na sala de montagem
que Kubrick começou a conceber
essa obra-prima da montagem
moderna que é "O Grande Golpe". Os dois são filmes noir depauperados, rodados com atores
de segunda linha (coadjuvantes
de carreira), entre interiores mal
cenografados e externas nova-iorquinas improvisadas. Mas, de
um a outro, Kubrick reescreve a
história da evolução da montagem cinematográfica.
No primeiro, o diretor utiliza os
flashbacks à maneira tradicional
do cinema hollywoodiano clássico, como um recurso (derradeiro)
para tapar as lacunas (derradeiras) da narrativa, cimentá-la tal
qual um bloco compacto, sem falhas (sem descontinuidades).
Em "O Grande Golpe", Kubrick, inspirado por "A Defesa de
Lujin", de Nabokov, usa os flashbacks à maneira moderna, salientando mais do que camuflando a
descontinuidade narrativa.
Se a crítica costuma considerar
"O Grande Golpe" como sua verdadeira obra inaugural, é porque
nele já se afirmam a pulsação e o
andamento típicos do estilo (nevrálgico) kubrickiano. É seu temperamento nervoso, seco, cerebral que surge dessa "soma dos
fragmentos perdidos do quebra-cabeça" de que nos fala o narrador no início do filme.
Kubrick incrementa a relojoaria
determinista do noir, reordenando-a sob novas coordenadas. Seu
filme é tão meticulosamente
montado e cronometrado quanto
o assalto que encena. Kubrick não
se cansará doravante de montar
sistemas perfeitos apenas para
lhes denunciar as falhas.
Em "O Grande Golpe", o xadrez
já servia como metáfora (a crítica
não notou, mas, com sua máscara
de bispo, Johnny Clay só se movimentava em diagonal durante o
assalto), mas é com "Glória Feita
de Sangue", clássico antibélico,
que Kubrick monta seu grande tabuleiro de xadrez esférico.
Os soldados são como peões,
obrigados a andar para a frente,
para a morte, sacrificados pela
ambição de generais (os reis encastelados). Kirk Douglas (o cavalo) faz o coronel que percorre, em
movimentos perpendiculares, o
caminho entre as trincheiras e os
castelos, soldados e generais.
Kubrick não faz senão projetar
o seu cérebro sobre o mundo.
Seus cenários (a casa de "O Iluminado", a grande e luminosa mesa
redonda de "Dr. Fantástico", o
computador de "2001") evidenciarão cada vez mais essa identidade entre o cérebro e o mundo
tão cara ao universo kubrickiano.
STANLEY KUBRICK. Box com "A Morte
Passou por Perto", "O Grande Golpe" e
"Glória Feita de Sangue". Lançamento:
Cinemagia. Quanto: R$ 119.
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