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TEATRO
Para ator, falta clamor popular contra a "vergonhosa corrupção'; em nova peça, interpreta três personagens distintos
"Brasileiro reivindica pouco", afirma Autran
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"A gente pode até jogar fora as
nossas neuroses, e eu espero que
você realmente se desfaça logo
das suas, mas dificilmente a gente
se cura de si próprio", diz o pai
septuagenário ao filho quarentão
na nova peça a ser protagonizada
por Paulo Autran, 82.
A citação de "Adivinhe Quem
Vem para Rezar", texto de Dib
Carneiro Neto, jornalista de "O
Estado de S. Paulo", vem a propósito da entrevista que segue, na
qual o ator comenta as denúncias
de corrupção no governo Lula e
critica a falta de mobilização do
brasileiro.
Autran lembra o exemplo do
confisco da poupança pelo ex-presidente Fernando Collor
(1990-92), que "todo mundo aceitou de cabeça baixa".
Onze dias depois de encerrar a
temporada de "Visitando o Sr.
Green", em cartaz no teatro Renaissance, Autran se muda para
outro palco: no dia 11/8, estréia
"Adivinhe Quem Vem para Rezar" no Procópio Ferreira, contracenando com Cláudio Fontana,
sob direção de Elias Andreato.
Comporá um tríptico curioso,
sem mudar figurino ou caracterização: o pai, o amante da mãe e o
padre, em uma missa de sétimo
dia da qual o filho (e o espectador)
saberá bem mais do que a metade.
Leia a seguir a entrevista que o
ator concedeu à Folha.
Folha - Como o sr. vê as denúncias
sobre o "mensalão"?
Paulo Autran - A possibilidade
grande dessas denúncias serem
verdadeiras é uma coisa que envergonha o Brasil profundamente. Desde que me entendo por
gente, ouço os adultos dizerem
que estamos à beira de um abismo. Nós continuamos à beira do
abismo, nem sei se já caímos nele,
ou não, mas o Brasil sempre teve a
possibilidade de continuar se
equilibrando. Vamos ver se as
coisas mudam. Há uma promessa
de apuração de tudo isso. Espero
que essa apuração seja efetivamente rigorosa, que tanto denunciantes quanto denunciados sejam punidos com rigor.
"A possibilidade dessas denúncias serem verdadeiras envergonha o Brasil profundamente. Continuamos à beira do abismo"
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Folha - Isso afeta a imagem do
presidente Lula?
Autran - Não pode deixar de afetá-lo. Gente que ele escolheu, gente que ele colocou em lugares importantes. E, de repente, você descobre que aquele mito de que o
PT era o partido honesto, o partido da honestidade, anticorrupção, também está metido até as
raízes em uma corrupção vergonhosa. Essa desilusão afeta o comandante de tudo, que é o Lula,
embora ninguém o tenha acusado
de nada. Parece mesmo estar fora
disso tudo, mas é claro que indiretamente o afeta.
Folha - E a reação do brasileiro?
Autran - O brasileiro tem reivindicado pouco. Se isso está na nossa raiz, na nossa psicologia... Não
acredito que haja uma psicologia
do brasileiro, embora vários sociólogos e vários antropólogos estejam preocupados em descobrir
como é "o" brasileiro. Não acho
que exista "o" brasileiro, mas "os"
brasileiros. E os brasileiros realmente não têm reivindicado à altura. Quando você se lembra de
que o [ex-presidente Fernando]
Collor pegou o dinheiro de todo
mundo, e não
houve uma reclamação, nem por
parte do Supremo
Tribunal Federal,
de ninguém, todo
mundo aceitou
aquilo de cabeça
baixa... Foi uma
coisa vergonhosa
para o país. Agora,
diante dessas novas acusações, o fato de não haver
um clamor, realmente, é impressionante. Em qualquer outro país
teria havido. Veja o que aconteceu
há pouco na Bolívia. O povo foi à
rua e exigiu que o presidente
[Carlos Mesa] saísse.
"[A nova peça] trata da relação entre pai e filho; faço três papéis, sem mudar de roupa. Entro, saio e já sou outro personagem"
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Folha - Fale sobre "Adivinhe
Quem Vem para Rezar".
Autran - É uma peça absolutamente original, inteligente. Acredito muito nela. Estamos entusiasmados no ensaio. Trata da relação entre pai e filho. Faço três
papéis sem mudar a maquiagem,
sem mudar de roupa. Entro, saio e
já sou outro personagem. Como
experiência, para mim, é ótima.
Vamos ver qual será a reação do
público. Teatro é sempre imprevisível. São três personagens distintos: um pai, um amante e um padre. Estou tentando aumentar as
diferenças por
meio da interpretação. Se bem que
dois deles [o pai e
o amante] digam
a mesma frase várias vezes, o que
resulta em algo
muito engraçado.
Folha - Como foi
o episódio de seu
desligamento da
programação do
Ano do Brasil na
França?
Autran - Iria apresentar "Quadrante" em Paris, dizendo algumas coisas em francês, outras em
português, com legenda. Estava
muito interessado. Mas o diretor,
o [George] Lavodan, queria fazer
um outro espetáculo e dirigir comigo. Eu não quis. Ele fazia questão absoluta de que eu fizesse
"Quadrante" e outro espetáculo.
Eu não queria ensaiar agora um
outro espetáculo, só para levar à
França. Desisti da idéia, com muita pena, porque queria ter ido.
Folha - Chegou a conhecer a proposta do outro espetáculo?
Autran - Era baseada no "Tristes
Trópicos", do [Claude] Levi-Strauss, que é um autor que não
admiro muito não. É um antropólogo muito considerado, mas
quando diz que ao
entrar na baía de
Guanabara teve
uma sensação de
depressão horrível, porque parecia que estava entrando num cemitério com ossos
aparentes, eu
achei que ele era
um homem de,
pele menos, muito
mau gosto. Não
tenho simpatia
por ele. Não estava nada interessado em fazer pedaços de "Tristes Trópicos".
Folha - O sr. costuma ser crítico e
autocrítico em tudo que toca ao fazer artístico?
Autran - Não sei se sou crítico.
Acho que a autocrítica é uma coisa que só faz bem, desde que ela
não seja ao mesmo tempo "castrativa". A minha autocrítica não
chega ao ponto de me castrar em
nada. Um pouco de autocrítica eu
tenho sim, graças a Deus. Tenho
"desconfiômetro" também.
Folha - O sr. já fez análise?
Autran - Não, nunca fiz. Eu acho
que as experiências de vida suprem, muitas vezes, uma análise.
Eu tenho amigos que fazem análise há 20, 30 anos e nem por isso
eles melhoraram muito. Quando
a gente se auto-analisa, com isenção, a gente consegue resultado
até melhor. Agora, acredito, sim,
que haja casos em
que a psicanálise
seja totalmente
necessária.
Folha - Depois de
problemas recentes com a saúde, o
sr. aparenta estar
bem.
Autran - Estou
ótimo. Eu sofri
um acidente
quando fazia "May Fair Lady"
[1963], que me colocou na cama
imóvel por dez meses. Depois, eu
tive uma operação no coração,
uma coisa que me colocou muito
perto da morte [1983]. Tive uma
intoxicação [alimentar] há dois
anos. Foram momentos perigosos na minha vida, mas que encarei sempre com muito bom humor, sabe?
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